7 de ago. de 2020

feliz ano de novo

 
praia rua avenida campo casa terraço gourmet tudo cheio. de gente. de crentes. de olhos aflitos, tristemente felizes, alegremente vazios, perdidos nos ponteiros do relógio que matava o ano segundo a segundo, segundo dizem, o novo sempre vem, matar o velho, velho não presta, velho atrapalha, velho da trabalho, dá nojo, dá canseira, velho sós serve pra ser velho, velho não serve nem pra ser velho, velho é uma lembrança viva de que morremos todo dia um pouco mais, velho é o espelho vivo que não conseguimos fugir, velho é o novo moribundo.

relógio fala, anuncia que vai acabar, gente de branco, amarelo, vermelho, azul, marrom, preto, gente colorida, sem cor por dentro, arco-íris por fora, vestem a cor do desejo que não foi realizado para ver se o novo realiza, se não realizar, troca de cor que estava errada, como se cores tivessem poder, tivessem culpa das escolhas ruins, das merdas, cagadas, dos erros, das besteiras, da vida, cores são apenas cores, servem para deixar a vida menos sem graça, não são culpadas de nada, usamos as cores como expiação dos pecados que, na virada, serão renovados para o novo, tudo pode, de novo.

brindes, frases, promessas. a gente faz de conta, que vai ser, melhor, diferente, novo, pra cima, conquistas, vencer, amor, paz, saúde, dinheiro, harmonia, ar moninha, cheio de amônia. conforme o relógio vai chegando na cova do ano, a ansiedade certeza de que vamos sobreviver aumenta, palpável, podemos tocar, abraçar e chorando, pedir que tudo aquilo que não fizemos no velho, façamos quando entrar o novo, como se no primeiro tudo fosse magicamente engatar, engrenar e resolver, no segundo, notamos que ainda teremos trezentos e sessenta e quatro oportunidades de não ser, fazer, conquistar, viver.

chegou. deu hora. contagem regressiva e três e dois e um e...não virou. como assim? tem de virar! é novo! e o novo sempre vem! não dessa vez. não teve novo, não teve fogos, não teve música, não teve papel picado, confete ou serpentina. não teve beijo na boca, abraço e lágrima alegre pelo novo morto e velho vivo. o ano não veio, não virou, todos se olham sem entender nada, assustados, apavorados, um silêncio mortal, combate, retumbante se abate sobre todos, ninguém sabe, entende, onde errou? onde deu ruim? cadê esse novo que não veio?

ele não veio. disse que não, que cansou, que não dava mais. ficaríamos eternos no ano que nunca acabou, disse que a gente merecia aquela ano, que ele representava bem a nossa vida, se um ano pudesse falar, diria nosso nome, o velho não foi, se recusou porque tomou posse da gente, achou seus filhos, colocou sob suas asas e o novo, com pressa, disse que lamentava mas tinha pressa, o novo sempre tem, velho não, e foi embora deixando a gente com o velho, para sempre, mesmos dias, mesmos feriados, mesmo cotidiano e, quando chegasse trinta e um, estaríamos lá de novo para esperar o novo mas, ele disse que o ano só vai para frente, nunca para trás e ficaríamos para sempre celebrando o mesmo velho.

feliz ano novo de novo.

Um comentário:

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