10 de nov. de 2020

reminiscências

 


Empaquei feito mula, congelei no tempo e o espaço ao meu redor ficou borrado nem lá ou cá comigo perdido no meio, impávido e de punhos cerrados para arrebentar a cara dela que te levou de mim não antes, nem depois, nem no momento certo, simplesmente veio e levou sem perguntar nada, se podia ou não, se eu precisava de você, se eu podia ficar sem você, seu queria ficar sem você, se fazia questão de fazer a questão e quem sabe a tivesse feito e ela o teria deixado ficar mas não ouvi ou não entendi a pergunta e quando quis dar a resposta ela já o tinha nos braços, atravessando e sem me olhar de volta.

Frio, e as flores tem medo de algo que não dizer o que é, de certo não queriam estar ali mas nos campos sendo colhidas pelos ventos ou tocadas pelos outros, ali tentavam porcamente emprestar um ar menos nefando ao lugar. Não chorava, murmurava algo como em um mantra e os que me me falavam vinham em línguas, não percebia bem o que me queriam dizer, um afago? Pesar? Aquelas frases mais mortas que o lugar e o motivo de estarmos ali, mantrava algo que eu não sabia mas que lá dentro de mim era eu te amo, soube assim que pus olhos em sua face deitada coberta por um fino pedaço dee açúcar provavelmente tecido pelos anos que dedicamos a nós até que nós dividiu em dois e fomos cada um ser o que nunca seriamos de novo.

Reabrir assim a ferida que ainda tinha uma casca fina era crueldade demais, ia culpá-lo mas de que adiantaria? Eu mesmo arrancava a casca quando ela começava a engrossar só para lamber o sangue que escorria dela fechando o olhos, lembrar de sua boca na carne e eu sou culpado mas me absolvo pois antes de sua viagem que não se adia, havíamos trocado minúsculas confidências que amenizaram os dias encalhados na garganta um do outro.

Quando lhe fecharam, não vi mais seu rosto mas ele ainda me seguiria porque nunca se esquece um rosto quando o rosto não tem face mas entranhas, coração, ares, embrenha até nos genes e nunca mais sai de você salvo com a hora certeira, talvez nem assim...

Ido a terra, só me restou passar os dias, fazer deles semanas, convertê-las em meses e estes, somá-los aos anos até que virasse lenda e finalmente, mito. O tempo foi comendo cada pedaço de mim com generosidade, como se guardasse para o final a melhor parte, degustando cada migalha minha com gosto, lambendo os beiços e dizendo que não queria mais apenas para repetir o prato ano após ano.

Só que ele se deu mal porque já me devorara tudo, sobrando apenas os ossos para palitar os dentes, deu com os dentes eternos em algo tão rígido que lhe trincou a mandíbula secular e, arisco, afastou-se, era aquele pequeno pedaço que era eu e você e que ele sabia lhe ser impossível devorar.

Ri alto, na cara dele, isso você não leva e estava encerrando meus momentos, buscando automático a última lufada de ar para manter funcionando o que restava, me apegando a tudo quando não precisava de nada, trôpego para ganhar segundos que fossem e ela já ao meu lado olhando pacientemente o relógio, esperando, não dizendo nada, sabia que a hora era dela, bastava aguardar....e então quando entrou um jovem que ali cuidava dos que estavam por ir, ele debruçou-se sobre mim, um ar jovial e calmante, uma paz que eu nunca provara antes...e ele me olhou nos olhos, bem fundo, tão fundo que os senti na alma que já ia me escapando e dela veio o alerta.

Ele segurou minha mão docemente, terna e docemente, pousou seus lábios de pluma sobre minha testa e nos olhos dele vi que era você, tinha vindo de novo e agora tão somente para me dar aquele último afago, sorri infantil e olhei para ela ao meu lado que me acenou, retribuí e olhando de volta para ti, me deixei ir certo de que num próximo encontro o desencontro seria menor.

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