16 de fev. de 2021

antirrábica

 


É impressionante o tanto de ódio que sentimos uns pelos outros, eu incluso contaminado pela raiva polarizada que tomou de assalto a todos nós desde que passamos a nos enxergar em opostos irreconciliáveis e que precisam, necessariamente, eliminar um ao outro.

No Roda Viva de hoje, com Itamar falando sobre seu 'Torto Arado' e abordando temas importantes não apenas da literatura mas da sociedade, os robôs e plantonistas estavam lá, firmes e fortes, ávidos, presentes e destilando suas pérolas exaltando o fascismo, a ditadura, a tortura, a morte, o preconceito, a intolerância, tudo isso que nos torna tão humanos.

E não pense que isso é privilégio dos fascistas de plantão, eles são sim muito mais organizados e articulados do que a esquerda caduca e sem rumo mas, não faz sentido apontar o dedo para eles quando deste lado reproduz-se o mesmo comportamento mas, sob o manto do aceite pois vem fantasiado de luta de classes, pelas minorias e contra o conservadorismo, ledo engano pois o discurso é exatamente o mesmo só que diluído nesses assuntos para legitimar sua fala, remova isso e será impossível distinguir um do outro.

Não serei hipócrita, já fiz muito isso, o ataque total e irrestrito aos fascistas e seguidores do deus-pai-mito-presidente-monarca-absoluto e, veja bem, combater as barbáries que são pregadas e difundidas por eles é dever cívico de cada um de nós mas, é uma linha muito tênue entre fazer isso e incorrer no mesmo erro deles, muitas vezes cruzamos essa fronteira sem saber, achando que estamos lutando por algo mais, maior, digno mas já estamos do outro lado fazendo exatamente a mesma coisa que condenamos.

Volto a dizer que devemos sim combater forte e irrestritamente qualquer manifestação que mesmo de longe flerte com ideias e pensamentos fascistas e de exceção, que enalteçam regimes violentos e que promovam qualquer tipo de preconceito ou mentira o negacionismo em nome do bem da nação mas, se não tivermos uma visão clara para distinguir essas coisas vamos acabar agindo como esse tipo de regime, nenhum debate, nenhum avanço, nenhuma razão advém do discurso único e, infelizmente, não estamos perdendo, já perdemos a capacidade de ouvir uns aos outros e dialogar de forma racional, partimos para o isolacionismo e cancelamento automático de qualquer coisa que mesmo de forma não intencional flerte com o oposto do que acreditamos ou sequer entendemos que opiniões distintas das nossas precisam existir mesmo que nos desagrade.

Ao banirmos uns aos outros do diálogo criamos apenas um mar de vozes que ecoam o que desejamos ouvir e criamos um ambiente apático que não fomenta nada, muito pelo contrário, serve de semeadura para outros discursos muito mais perigosos vingarem, onde não há diálogo, debate ou discussão de ideias, a semente para o absolutismo e polaridades está em casa para geminar e crescer e é o que estamos vivendo hoje, agora, todos os dias.

Estamos cancelando uns aos outros, abolindo uns aos outros, isolando uns aos outros, acusando uns aos outros, agredindo uns aos outros, matando uns aos outros, odiando uns aos outros pelo simples fato de pensarmos diferente, como se não bastasse já fazermos isso pela cor da pela, sexo, sexualidade, gênero e outros, demos apenas mais um passo em direção ao isolamento total e completo do que criamos como sociedade e, com isso, estamos minando as estruturas do que nos torna humanos.

Se não mudarmos isso rápido, lembrando que não podemos jamais tolerar ideias ou discursos que flertem abertamente com o ódio, intolerância e preconceito, chegaremos ao ponto de aplicarmos não o cancelamento mas a Lei de Talião e aí, não teremos mais problemas porque, no final, estaremos todos, sem exceção, cegos, surdos e mudos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

one is the loniest number...

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...