1 de dez. de 2021

pequenas lembranças aleatórias

Dia desses, depois de uma sessão de terapia quando você abre portas que nem sabia que deveria abrir, lembrei de uma coisa distante, perdida nos neurônio combalidos aqui mas, a mente nossa é um emaranhado, um novelo que vai se desfiando com o tempo e às vezes achamos o fio da meada só para engatar em outro fio e depois em outro e depois em outro...

Sempre fui fã de Legião Urbana, o lirismo triste e amargo de Russo falavam com minha sexualidade latente e divergente que, então, não possuía voz ou amparo, eram tempos sem like, sem compartilhar, sem selfie, sem whats, sem nada, era a gente pela gente mesmo e às vezes nem isso.

Para encontrar outros era preciso esconder para achar, era preciso ler as entrelinhas, sinais e códigos, era preciso escutar atentamente, tempos em que talvez tudo fosse revestido de um romantismo cru, tristonho, meio sádico, um tanto masoquista, incerto e perdido em suas nuances de vida que se perdiam entre desejos que talvez nunca fossem concretizados ou, quando eram, sempre escuros, escusos, escondidos com medo de dizer seu nome.

E aí, o primeiro homem que amei de verdade e apresentou THE STONEWALL CELEBRATION CONCERT do Russo e deixou o cd comigo porque naquela época não tinha streaming a gente precisava comprar mesmo o disco e eu me apaixonei de tal forma que não sei como o cd ainda toca hoje em dia de tanto que o escutei e ainda estuco ocasionalmente.

Tanto que ele chegou ao ponto de comprar outro para ele e deixou o que era seu comigo de tanto que me apaguei ao disco, todas as músicas pareciam feitas para mim e para ele e embalaram muitos momentos nossos, bons e não tão bons, e embalaram minhas fossas quando nos separávamos e embalavam o som do carro quando o levava para sua casa dirigindo enquanto sua cabeça suave de leve descansava em meu colo entre minha mão e a troca de marchas, seu sono leve rompido apenas ao chegarmos em sua porta e eu despertá-lo para beijar e dizer até mais.

Aquele cd tinha um cheiro específico que ainda hoje está lá, mais fraco, diluído pelo tempo mas presente, basta respirar um pouco mais fundo com o nariz bem próximo que ele vem, forte e doce como se fosse algo saído do forno do ontem fresco. Dizem que o olfato é um de nossos maiores gatilhos de memórias e é mesmo, mesmo quando o cheiro não está lá podemos facilmente evocar sua presença e quem nunca se pegou estático em algum lugar ao ter as narinas assaltadas por um aroma que resgatou memórias?

Aquele cd era um pedaço de pele, de corpo, uma extensão do outro, era não, é porque ele ainda está aqui comigo e, de tempos em tempos, passo os dedos por ele como a refazer o caminho de minhas mãos num corpo que não é mais, foi-se para o eterno e etéreo ser de outras dimensões e aromas. Ainda há uma textura no disco que remete a um drive de computador onde ele tocava, um cheiro de nicotina preso entre as faixas, um bolor que impregnava sua casa e que misturado ao seu perfume eram uma identidade nossa que fazia de nós um casal quase improvável.

Aquele cd tinha um gosto, um paladar de risos e lágrimas, de sons esquecidos, de notas tocadas a esmo num amor que não sabia ser e de memórias que foram construídas por dois e hoje revividas apenas por um que ficou para atestar a veracidade desses fatos e as canções ainda soam tão reais e nossas quanto possível, elas não ficaram velhas, não estão datadas, ao menos não para mim porque eu posso ter envelhecido mas minhas memórias não então, aquele cd segue com minha juventude intacta, um pedaço de mim que traz uma história que talvez eu jamais esqueça.

Aquele cd tem uma parte de mim para sempre, quando eu me for e ele ficar, alguém irá tocá-lo e um pouco de mim, dele e de nós reviverá assim como acontece cada vez que eu o ponho para tocar...

Um comentário:

  1. Que memória linda!

    Legião Urbana e Renato Russo, como compositor e cantor solo também, fizeram história nesse país.

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