12 de nov. de 2019

O Futuro que a Deus Pertence

Passando pelo último de vários bloqueios, chegamos finalmente ao Museu de Estudos Universais Deliberado pelo Estado Universal Social e quase não chegamos devo dizer pois no último posto, acabei por me confundir com as carteiras de permissão e ao invés de mostrar a que me autorizava a ingressar na Zona do museu, acabei por entregar ao Zelote minha autorização de matrimônio. Acontece, são tantas as carteiras de permissão e tão parecidas entre si mas, o Zelote ou estava de bom humor ou fez vista grossa já que estava com meu filho e, após validar a carteira correta, deixou-nos passar apenas com uma leve admoestação.
Meu filho é uma criança doce e eu o amo muito, deve ser a única coisa boa que me ocorreu depois do Vento dos Mil Dias quando passamos a viver estritamente sob as regras do Senhor e sob estrita vigilância dos Zelotes. Eu acho que era feliz antes mas já faz tempo que agora não sei bem dizer se eu era mesmo feliz ou era apenas livre, é possível ser as duas coisas? Hoje me parece que não, temos de escolher uma delas, tenho agora quase convicção de que são incompatíveis mas não sei dizer ao certo se penso assim ou acabei apenas aceitando as coisas como estão.
Quando passamos pela porta do museu, meu filho largou minha mão e embarafustou à minha frente, foi tão súbito que fiquei sem saber o que fazer, não sabia se saía da fila para entrar no museu e ia atrás dele ou ficava ali torcendo para ele voltasse, qualquer umas das opções seria passível de punição mas, segundos depois, um dos seguranças o trouxe de volta com ar severo.
O senhor é o pai?
Sou...
Faça o favor de controlar seu filho, aqui é um lugar de respeito, isso ou terei levá-los para fora.
Não vai se repetir - disse segurando firme a mão do menino, tão firme que pude ver a dor em seus olhos pequenos. O segurança afastou-se e seguimos na fila, esperando nossa vez de sermos admitidos.
Não faça mais isso!
Desculpe...
Você quer que sejamos presos?
...
Sabe como é difícil a permissão para visitar um museu?
Desculpe...
Sabe o que eu tive de fazer para te trazer aqui?
Já pedi desculpas!
Se fizer de novo, fica de castigo e não vai acompanhar as novenas por duas semanas!
Por favor!
Então comporte-se!
Seguimos calados até chegar nossa vez. No balcão de admissão, uma Guardiã examinava os documentos de todos. Passou por nós, chorando, um casal que estava à nossa frente, de certo que não estavam com as permissões corretas ou em dia, chegamos ao balcão e fui o mais natural e educado que pude.
Bom dia.
Bom dia.
Trouxe meu filho par...
Carteira de Paternidade, Matrimônio e Autorização de Visita.
Saquei os documentos e os coloquei sobre a mesa o mais respeitosamente que pude, ela os olhou como quem tenta identificar uma pintura falsa e, sem olhar para nós, disse.
Estes documentos estão para vencer.
Eu sei.
O senhor deve providenciar a renovação o quanto antes, farei uma anotação em seu registro, procure a distrital o mais rapidamente possível.
Sim, senhora.
Cabe a todos nós zelar pela segurança de nosso Santo Estado e estar com os documentos em dia é parte disso, o senhor sabe?
Sim, peço desculpas.
Não podemos mais conviver com desculpas, a ação é a mãe da prevenção, o descontrole pai da liberdade e a liberdade origem de todos os males!
Salve o Santo Estado!
Salve! O senhor e seu filho podem passar.
Passamos. O museu não era grande, tivemos maiores antes, antes do Santo Estado mas agora são apenas lembranças de alguns com eu que conheceram esses dias de antes, não falamos sobre eles, às vezes sim mas evitamos.
Era a primeira vez de meu filho no museu e ele quis ver tudo perguntando praticamente sobre cada coisa que víamos. Fiquei encantado com sua curiosidade, meio com medo mas sabia que os Doutrinadores saberiam como moldar esses desejos.
E isso aqui papai? O que é?
Hummm, deixe ver, ah! Eram festas que ocorriam todo ano, celebravam a carne, o pecado.
E podia?
Antes? Sim...
Mas é errado...
Não era então...
E isso aqui?
Bom, eram pessoas que, deixe ver, gostavam de outras pessoas iguais.
Como assim?
Ahnnn, bem, veja, antes era normal que homens e mulheres gostassem uns dos outros...
Como você e a mamãe?
Bem, não, homens gostavam de homens e mulheres de mulheres e...
Mas podia?
Sim...
Não pode mais!
Não, não pode.
É errado, né?
Sim, é...
E aquilo ali?
Ah! Eram livros!
Livros?
Sim, as pessoas liam neles.
Neles? Mas como?
Bem, outras pessoas escreviam e as pessoas liam...
Escreviam? O que?
Bom, muitas coisas, as pessoas inventavam...
Mas não era real.
Bem, umas eram mas a maioria não..
E porque as pessoas liam se não era de verdade?
Bom, porque as pessoas gostavam..
Mas quem pode gostar do que não é verdade?
Naquele tempo as pessoas gostavam, e era um pouco verdade..
E aquilo ali?
O que?
Ali, aquele livro grosso?
Ah! Aquilo era uma coisa chamada constituição, não se usa mais...
Servia para que?
Hummm, acho que para dizer o que as pessoas podiam ou não fazer, algo assim.
Mas o Santo hoje nos fala isso, não é papai?
Ah sim! Ele nos fala!
Então porque as pessoas precisavam de um livro  para isso?
Não sei...Acho que elas precisavam de algo que lhes dissesse isso escrito mas era pouco praticada...
Papai?
Sim?
É verdade que antes tinha um tempo onde tinha quadro de gente nua, fotos e podia tudo isso?
Bom, é verdade sim mas faz muito tempo isso, muito antes de você nascer...Onde você ouviu isso?
Uma Santa Professora disse na aula um dia.
Disse?
Sim.
E como ela era?
Não sei bem, ela só esteve lá um dia, depois sumiu, não vimos mais ela.
E ele correu para junto de um pequeno grupo onde algumas crianças estavam sentadas para ouvir um guia local falar sobre as sagradas escrituras.

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