7 de dez. de 2019

FLOP

Depois do anúncio de que a FLIP 2020 vai - pelo menos até o momento já que corre rumor de que irão reavaliar - homenagear Elizabeth Bishop, uma leva de gente foi lá descer o sarrafo não apenas na FLIP como na poeta.

Eu sinceramente não conhecia sua obra, a conhecia apenas de nome já que poesia nunca foi meu forte seja ela de onde for e muito menos sabia que ela, em suas cartas, defendeu, apoiou ou manifestou apreço pela ditadura que governou o Brasil o que, para dizer o mínimo, é desagradável e denota uma total falta de conhecimento histórico.

Li apenas excertos desse material onde ela efetivamente tecia comentários favoráveis ao regime ditatorial e outros pouco elogiosos a cultura nacional mas, como foram apenas excertos, me foge o contexto geral em que ela teria aplicado tais ideias ainda que não justifique tamanho absurdo mas, volto a dizer, é importante ter o contexto todo e não apenas de uma parte.

Na mesma medida mas em âmbito diferente seria a celeuma sobre casos como o de popstars acusados de molestar crianças e se isso deveria ou não banir para sempre sua obra e legado artístico, seria possível separar uma coisa da outra? Podemos seguir apreciando a arte de alguém que estuprou e abusou de menores ou de artistas que compactuaram de alguma forma ou mesmo apoiaram regimes de exceção?

Não sei dizer, nunca li nada de Bishop mas no caso do popstar, por mais que acredite que as acusações são reais e que seus atos tenham sido abjetos, ainda assim sigo ouvindo sua música porque ela me parece transcender a realidade absurda dos fatos, pode ser que esteja sendo hipócrita ou até mesmo, de alguma forma de lógica distorcida, concordando com seus atos mas prefiro pensar que sua arte segue imaculada e que seu comportamento humano pertencia apenas a essa esfera e nada mais.

Igualmente, movimentos de boicote a FLIP me parecem apenas ecos no deserto, quem vai a FLIP vai seguir indo a FLIP e não é um boicote aqui e ali que irão fazer a FLIP flopar muito pelo contrário e além disso, pessoas como eu por exemplo vão a FLIP não pelas atrações principais ou para desfilar de salto alto naquelas pedras infernais e comer o biscoito fino da alta literatura regurgitada entre goles de vinhos caros e pratos extorsivos, vamos para a OFF FLIP onde a literatura de verdade acontece e onde autores e autoras que estão produzindo literatura boa e passando despercebidos discutem temas importantes e vendem seus livros suados.

Acho ótima a ideia de fazer alguma feira ou festa que traga para outros eixos eventos como a FLIP mas me pergunto porque só agora com essa coisa toda por conta da Bishop é que se fala tanto no assunto, porque não fizemos isso antes? Não havia interesse ou gente para participar? Duvido! Me parece mais que a FLIP ainda é um evento que todos amam odiar e odeiam amar e que agora, o oportunismo falou mais alto num momento em que as opiniões estão 24x7 em estado de alerta para socar a massa de ódio que nos alimenta diariamente.

Vejam bem, não digo que a iniciativa ou ideia de fazer uma festa do porte da FLIP em SP, BH ou seja lá onde for não seja uma ideia válida e eu mesmo seria o primeiro a arregaçar as mangas e ajudar em sua organização, demorou mesmo para termos outros eventos que façam frente a FLIP e não apenas por concorrer mas porque precisamos de mais e mais festas como ela nos tempos que estamos vivendo e que principalmente possam talvez dar mais abertura para autores e autoras que sequer sonham em participar de eventos desse porte mesmo que seja em programações paralelas.

O que me incomoda é esse discurso todo que vai se apagando com o passar dos dias, esse mecanismo de recusar a FLIP por que ela vai homenagear uma poeta que apoiou a ditadura enquanto por trás se organiza tudo para ir a FLIP mesmo sob protesto ou, caso voltem atrás na escolha, de ir mantendo o protesto e criticando a festa por seu elitismo e segregação, aquelas coisas que todos sabemos de cor e ainda assim seguimos indo na FLIP.

Não pago de isento, eu vou na FLIP e tenho minha parcela de culpa bem sei mas acho que se é para boicotar então tem de boicotar geral, não adianta dizer que boicota e ir sob protesto, isso é manifesto de botequim. Não adianta bolar outro evento nas redes sociais e ficar nisso, tem de fazer mesmo e também não adianta criticar a FLIP enquanto seguimos ignorando, não apoiando e fazendo vista grossa a colegas e amigos escritores que a duras penas lançam seus livros, a editores que ralam na pedra todo dia para publicar algo que tenha valor e que represente algo.

Para fazer frente a FLIP temos de começar a valorar e prestigiar os artistas que conhecemos, ir nos lançamentos, nos bate papos, nos saraus, nos debates, nas palestras, nas mesas, temos de olhar para esses artistas e entender que eles tem valor e que precisam de apoio e prestigio e acima de tudo, comprar suas obras que é a expressão máxima de apreço para quem produz qualquer tipo de arte por mais materialista que isso possa parecer, quando você compra o livro ou obra de um artista você esta reconhecendo que seu trabalho tem valor.

E prestigiem os artistas pouco conhecidos, já fui em eventos de gente foda que falou para pouco menos de meia dúzia de gente enquanto um artista mais conhecido lota auditórios inteiros muitas vezes para falar nada que preste e não digo isso como desmerecimento de ninguém apenas como conclusão de que tem muita gente foda falando e pouca gente ouvindo, apenas isso.

Se fizermos isso, poderemos quem sabe ter uma festa do tamanho e importância da FLIP aqui ou em outros estados e isso nunca foi tão importante.

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