Semana passada mais exatamente dia 12/12 - nem tinha me atentado a isso - fui à Biblioteca Mario de Andrade prestigiar Cristina Judar que, junto com outro jornalista que infelizmente me foge o nome no momento, mediaria uma conversa com João Silvério Trevisan.
Em cerca de duas horas - que passaram voando como sempre acontece quando estamos absortos em alguma coisa que nos prende a atenção - Trevisan falou sobre sua carreira, livros, ativismo, alegrias, tristezas, mágoas dando uma verdadeira aula não apenas de vida mas de literatura e conhecimento.
Em qualquer outro lugar, país, cidade, mundo, universo, Trevisan teria falado para um auditório lotado com gente do lado de fora reclamando por não ter conseguido entrar. Seria convidado por universidades, faculdades e outros para palestrar, dar aulas, emérito, ilustre. Teria uma agenda de eventos mais concorrida que a das ditas celebridades instantâneas das mídias sociais e estaria com a vida sossegada podendo finalmente relaxar e deixar-se levar pela literatura que ainda precisa produzir antes que os deuses e deusas do universo resolvam levá-lo para escrever em outros mundos.
Nesse dia não foi o que aconteceu.
Já fui em outros eventos em que ele foi a 'atração principal' e que estavam realmente lotados mas, o que deveria ser constância acaba sendo a exceção e, depois desse bate-papo, tive a certeza de que ele ainda segue correndo atrás de um reconhecimento que, pelo andar da carruagem, vai chegar apenas de forma póstuma o que é lamentável para dizer o mínimo.
Trevisan é um monumento nacional, deveria ser incluso na ABL mesmo já sendo, para quem teve contato com sua obra, um imortal. Poucas pessoas fizeram tanto pelo movimento LGBTQIA+ e seu DEVASSOS NO PARAÍSO seguirá sendo estudado por décadas a fio, simplesmente é o estudo mais amplo e detalhado da homossexualidade no Brasil, qualquer um minimamente interessado em conhecer sua própria história como LGBTQ tem por obrigação ler esse livro ou pode deixar de ser gay e virar hétero no mesmo instante, por favor.
E não apenas DEVASSOS, Trevisan possui uma obra extensa entre romances, contos, roteiros para teatro e cinema sem contar seu ativismo pelos direitos LGBTQs que enfrentou a ditadura e segue enfrentado o status quo tenebroso que se acerca de nós desde este ano fatídico.
Mesmo assim, sua obra segue obscura e rejeitada, é duro ouvi-lo dizer que seus livros não são reeditados, que ele ainda segue recebendo recusas de editoras e diretores, sendo preterido em premiações e homenagens, esquecido feito aquele parente chato que só chamamos em velórios, batizados e casamentos.
Pior, as gerações mais novas - raras exceções - não sabem quem é ele ou sequer ouviram falar de sua importância e relevância o que é de partir o coração e fazer corar de raiva. Se você, eu e todos nós estamos onde estamos, fazemos o que fazemos e temos algum orgulho em sermos LGBTQs - e ainda mais escritores LGBTQs - foi por causa dele e de pessoas como ele que conseguimos tais feitos, sem termos nos apoiado em seus ombros ainda estaríamos rastejando na sarjeta dos héteros.
Temos um problema grave de memória no Brasil, não conhecemos ou valorizamos nosso passado ou quem fez nosso presente e moldou nosso futuro, só reconhecemos esses heróis quando eles morrem e então, passamos a chorar copiosamente sobre seus túmulos e a dar valor ao que deixaram de legado porque então eles passam a existir, quando alguém morre vira notícia e postagem no Face e Insta e aí todos conhecem, amam, admiram, postam e dizem RIP como se fosse a maior homenagem do mundo.
Trevisan ainda está entre nós mas o tempo está contra ele e não digo isso de forma negativa ou agourenta, apenas constato que para ele o tempo corre mais fino feito uma folha de papel vegetal que já foi estendida quase ao máximo. Por sorte, ele ainda está aqui e está começando a receber o reconhecimento e valor que merece e isso estando totalmente lúcido, de mente afiada e com memória cem vezes melhor que a minha ou a de vocês. Me parte o coração vê-lo dizer que mesmo hoje, ainda que eventualmente, passe por dificuldades e que tenha de passar por perrengues para produzir sua arte e levar sua mensagem ao máximo de gente possível.
Eu tenho minha consciência razoavelmente tranquila pois conheço sua obra, já o abracei e disse o quanto ele é importante para mim e para todos nós que temos o privilégio de viver no mesmo tempo que ele.
Se você tem um pingo de dignidade e orgulho de ser LGBTQ, recomendo que você tente fazer o mesmo.
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Bravo!!!
ResponderExcluirTambém tenho orgulho de conhecê-lo e ter ido a algumas palestrras e lançamentos dele. Escritor fundamrntal! Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirTrevisan tem um livro (que seria um capítulo do Devassos No Paraíso) e que ele me deu de presente chamado Seis Balas Num Buraco Só. Trata da crise do masculino e lá, logo no início, tem uma análise dele dizendo que em eventos sobre o masculino, homossexualidade ou temas relacionados, o homem em si (gay ou não) raramente tem interesse. Geralmente, vão mulheres e poucas. Esse vazio de público não é só um caso isolado, afeta muitos outros eventos. Para piorar, estamos mesmo em uma era digital líquida. Jovens não sabem quem é Trevisan, não conhecem literatura LGBTQ de boa qualidade (modestamente estou no meio, tenho 5 livros com temática LGBTQ - alguns premiados) e por aí vai indo. Outro dia, vi que nem sobre HIV essa molecada sabe exatamente como funciona ou como se trata. Vivemos, realmente, uma era de cliques e vazio intelectual, que deve ficar pior com esse governo. É triste, mas é real. Abs, Fabrício Viana (www.fabricioviana.com)
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