14 de jan. de 2020

Precismos (ainda) falar sobre HIV e AIDS

Quem é da minha geração ou antes disso sabe o que foi a epidemia de AIDS que assolou o mundo e ceifou sem piedade ou distinção centenas de milhares de pessoas (os números podem passar dos milhões já que muitos casos não foram informados e/ou identificados como decorrentes da doença).

Não tive conhecidos ou amigos que, até onde saiba, morreram em decorrência de HIV-AIDS mas tenho quase certeza de que meu primeiro namorado - uma história longa e um tanto triste que depois conto - morreu devido a complicações devidas a imunodeficiência tendo preferido sua família, compreensivelmente no lugar deles, atribuir sua morte a outras causas.

Para nós que crescemos sob o espectro dessa doença, a vida adquiriu um tom nefasto de fim de festa, muitos voltaram para seus armários com medo fosse da epidemia que se espalhava sem controle ou de serem, ao exibir sintomas indicativos da mesma, identificados como gays.

O estigma AIDS-HIV denominado de forma pejorativa, horrenda e espetaculosa pela mídia como CÂNCER GAY ou PESTE GAY, fez com toda uma geração que estava prestes a desbundar e adiantar em décadas a luta pelos direitos LGBTQ puxasse o freio de mão pois a homofobia tinha um novo e poderoso aliado e pior ainda foi ver dentro da comunidade LGBTQ atos pérfidos de preconceito e exclusão já que os doentes eram enjeitados que apenas poucos voluntários despidos de qualquer preconceito e cientes de que aquelas pessoas precisavam de ajuda aceitavam tratar, acolher, apoiar e amparar.

O lado positivo, se há um, foi que a epidemia acabou por tornar coesa a luta pelos direitos LGBTQ - não em seu todo já que alguns setores sentiam-se preteridos ou mesmo estigmatizados pela atenção e problemas trazidos pela doença, como se não fosse de sua alçada o fato de que a comunidade toda era afetada por ela - partindo da demanda por tratamento digno, pesquisa, quebras de patentes de remédios e tudo o que hoje temos como garantia e certo.

Isso não quer dizer que em 2020 não há mais preconceito com pessoas portadoras de HIV-AIDS, ainda que atualmente a doença seja até mesmo considerada como crônica e pouco letal, o estigma que os soropositivos carregam ainda é imenso e muitos preferem esconder sua sorologia temerosos de que ao torná-la pública perderão amigos, emprego, status, contato humano, família e por aí vai.

O que é mais preocupante é a quantidade de novos casos de contaminação na faixa etária dos mais jovens, a cada ano essa faixa faz só aumentar. São pessoas que estão iniciando a vida sexual - e cada vez mais cedo e sem qualquer informação que não seja obtida pela internet, Youtube ou algum influenciador - e que não conviveram com o fantasma da morte que diariamente vinha reclamar para si a vida de alguém querido ou próximo.

Para eles, a AIDS-HIV é como algum tipo de diabetes, você tem remédios que controlam a doença e, ademais, há uma série de tratamentos disponíveis para pré ou pós exposição a um comportamento de risco. É do jovem sentir-se invulnerável e capaz de subjugar o mundo mas a AIDS-HIV não sabem disso e infectam qualquer um lhes dê mole, com essa perda do medo e desmistificação de doença fatal e incurável exatamente essa parcela passou a desconsiderar os métodos de proteção e exposição a comportamentos de risco.

Isso faz com que os casos de infecção disparem a cada ano e, com o atual governo fascista desmontando as estruturas de apoio e prevenção já que a eles e seus seguidores gay bom é gay morto e a AIDS-HIV ainda é uma doença de bixas, a tendência é de piorar cada vez mais o que, na mente tosca dos conservadores funciona pois vai dar cabo de uma parcela da população que eles querem morta mesmo mas, esquecem que a AIDS-HIV não trabalha com qualquer tipo de barreira social, moral, sexual, econômica ou de fronteira e que o custo final para tratar e acolher as pessoas doentes sairá de bolso de todos nós.

Além disso, os casos de DSTs que eram consideradas praticamente erradicadas aumentam a cada ano já que não há conscientização da sociedade em promover campanhas de informação e prevenção e, como disse acima, as pessoas não tem mais medo de doenças sexualmente transmissíveis o que, para as doenças, é ótimo pois elas podem alastrar-se sem freio e, através de mutações genéticas, tornar-se mais resistentes aos tratamentos convencionais vide a sífilis que voltou pior do que nunca mas quase ninguém fala disso.

Enquanto não encararmos DSTs, HIV e AIDS como casos graves de saúde pública e cobrarmos das autoridade medidas concretas e efetivas para controlar o ritmo desenfreado de infecções, estaremos todos com a bunda na janela disponível para passar a mão. Precisamos seguir falando sobre HIV e AIDS e principalmente para as gerações mais novas que conhecem um mundo 'sem AIDS', mostrar e explicar que essa doença não tem cura e que ela carrega um estigma terrível e que o melhor caminho ainda é a proteção.

Ao normalizar a AIDS como uma doença crônica e tratável - ainda que o seja - estamos fazendo pouco de um patologia que segue impávida infectando milhões de pessoas por ano, estigmatizando uma parcela da sociedade que precisa de apoio e tratamento e passando a mensagem de que tudo ber ter AIDS, é OK, é comum, todo mundo tem e quem não tem basta tomar aí um PreP ou algo assim, ninguém morre de AIDS.

Essas ilusões são a pior doença e contra elas não há tratamento melhor do que a informação.

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