13 de jan. de 2020

Mono não é Estéreo

Em outros textos, refleti sobre novas formas de relacionamento e amor e, após ler esta entrevista de Manuel Lucas Matheu, estudioso do sexo e relacionamentos humanos, só passei a ter mais certeza do tipo de relacionamentos que desejo ter em vida (os pós vida não sei porque ainda não temos testemunhos que comprovem como são as coisas do lado de lá).

Fique claro que estas são as MINHAS opiniões e que relacionamentos são complexos e cabe a cada um de vocês encontrar o que funcione para si e para seu companheiro, companheira, companheires. Eu mesmo passei por um processo de desconstrução e ainda me encontro nele pois relacionamentos e o afeto humano não são coisas estáticas mas mutáveis.

Explico essa última frase.

A estagnação, a famigerada zona de conforto e a acomodação são 'patologias' que matam o humano e tudo que o cerca incluso os relacionamentos. Se você busca um relacionamento para ter segurança então sugiro que repense seus conceitos sobre relações humanas pois um relacionamento não é porto seguro de nada, o oposto disso.

Somos criaturas inquietas e termos adotado uma conduta sedentária desde que passamos a dominar as fontes de alimento e tecituras sociais não nos fez menos nômades, apenas trocamos o vagar físico pelo vagar emocional, em termos de sexo e amor seguimos tão nômades quanto nossos ancestrais sendo a diferença as amarras e convenções sociais que ainda tentam conter nosso desejo a uma esfera de socialmente aceito.

Somos tão diferentes da pessoa que fomos ontem quanto da pessoa que seremos amanhã ou da que seremos daqui a cinco minutos, ser humano é ser mutante e evoluir e, assim sendo, um relacionamento precisa evoluir igualmente ou estará fadado ao erro e a causar angústia e frustração a quem estiver nele envolvido.

Achar que seremos felizes para sempre é uma crença horrenda que nos faz buscar cada vez mais por uma felicidade utópica romantizada e vendida como ideal de vida sendo que jamais a conseguiremos e passaremos a preencher o vazio que surge dessa busca inútil com coisas como bens materiais, drogas lícitas ou não e toda e qualquer coisa que ajude a encarar o fato de que tal modelo inexiste fora das percepções e capacidades individuais.

A monogamia é uma construção social que tem suas fundações em noções de moral e tradição elaboradas única e exclusivamente para manter a todos nós em rédeas curtas e, fim principal, a distribuição de riqueza e poder limitada às classes dominantes perpetuando seu domínio e status quo.

É humanamente impossível que sejamos suficientes, no conceito de monogamia, para suprir as necessidades, anseios, desejos, amor, expectativas e porque não fetiches e taras uns dos outros. Na construção monogâmica jogamos esse peso todo nas costas do outro demandando dessa pessoa que seja capaz de suprir tudo isso quando ela mesma faz igual conosco, nesse jogo não há ganhadores pois essa expectativa de locupletação é impossível e, ao final, teremos pessoas infelizes e tão frustradas que acabarão por odiarem-se de forma visceral pelo simples fato de não terem correspondido às expectativas que deveriam ser da responsabilidade individual e não atribuídas aos outros.

Acredito mesmo que durante nosso tempo de vida amaremos mais de uma pessoa seja em tempos diferentes ou ao mesmo tempo e que essas pessoas atenderão a diferentes necessidades nossas de formas diferentes perfazendo o conjunto da obra algo tão próximo quanto possível do que sonhamos ser a felicidade que desejamos.

Algumas pessoas podem ser apenas um dia, horas ou minutos, outras meses, anos, décadas mas cabe a nós e a elas entender o que podemos fazer uns pelos outros para tornar a vida menos miserável e mais agradável e ter a noção de que o amor romântico perpetuado pela arte, mídia e convenções sociais é uma posse terrível que remete aos piores modelos escravocratas.

Denominar-se dono e senhor da felicidade e prazer alheios é um ato sórdido de dominação colonial e reflexo de milênios de regras religiosas e morais caducas que se recusam a evoluir mesmo ante mudanças radicais no tecido dos relacionamentos humanos e, a onda conservadora que vivemos é um ato desesperado para conter essa mudança que, sinto dizer aos moralistas de plantão, não arrefecerá.

O amor e o desejo não podem ter donos, não é saudável que nos consideremos amos e senhores dos corpos e almas e corações uns dos outros quando apenas nós mesmos temos tal autoridade. Essa noção de que somos apenas um para o outro é um sonho distorcido pois o olhar e o sentimento não conhecem barreiras ou regras, vão onde querem e desejam quem quiser e quando isso bate de frente com a imposição monogâmica de unidade geramos o conceito de traição e condenamos o traidor como se houvesse cometido um crime hediondo quando houve apenas sexo, desejo ou amor e qual desses itens pode ser considerado de posse de algum de nós?

Pode parecer que atesto a desfeitura de todos os tecidos sociais e modelos de relacionamento mas não, relacionamentos saudáveis são baseados em respeito, diálogo e companheirismo, o amor romântico surge no começo mas, com o passar do tempo, ele se transmuta em algo maior que transcende as barreiras convencionais e torna-se algo que nos acalenta e alimenta enquanto seguimos pela vida buscando o que nos faz felizes.

Talvez soe paradoxal mas o amor que aprendi a acreditar não é um amor de posse mas um livre que lhe permite ser feliz com a pessoa ou pessoas que você ama seja em qual momento for e creio mesmo que nós LGBTQs temos por obrigação reinventar os relacionamentos ditos padrão já que não refletem as necessidades ou anseios nossos mas são uma herança modorrenta de uma sociedade machista, patriarcal, normativa e zelosa da tradição, família e propriedade.

A monogamia foi a invenção mais perniciosa que a sociedade humana inventou e acredito que estamos começando a aprender como nos curarmos dela mesmo tendo ao nosso redor críticos e ofensores e até mesmo parte da comunidade científica que, algumas vezes, alega que a monogamia é a única via de contenção de DSTs e outras mazelas do corpo e da mente (parcela da ciência que anda de mãos dadas com os crentes e conservadores de plantão).

Se até o som é estéreo, porque nós deveríamos ser mono?

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