10 de jan. de 2020

Quem cala consente

Antes de falar a que vim, convém fazer uma rápida explanação do que é fé e do que é religião pois são sim coisas muito distintas mas que frequentemente misturam por aí como se uma fosse parte da outra.

Fé. Não é algo concreto, é mais um sentimento ou (pre)disposição em crer em algo que supera a condição humana sem que esteja formal ou teologicamente relacionado a uma crença ou conjunto de valores específicos.

Ter fé não significa necessariamente crer em algum tipo de divindade ainda que, por conseguinte, quem segue alguma religião irá direcionar sua fé a essa ou aquela divindade ou divindades. Ter fé seria mais crer que o universo tem seus desígnios e que tudo transcorrerá como deve ser e que por mais dura que possa parecer a realidade, as leis universais físicas ou metafísicas darão cabo de tudo e de todos como for preciso.

Fé é algo imaterial e não é preciso crer em algo para ter, basta ter e pronto.

Já religião é um conjunto de crenças, regras, doutrinas, normas ou até mesmo leis que definem como a fé em determinada(s) divindade(s) deve seguir ou seja, sua fé está restrita aos ditames e costumes daquela religião em si e invariavelmente fechados a outras concepções ou noções externas tornando a fé uma coisa hermética e que se alimenta apenas desses preceitos ditados pela divindade não em si mas através de seus 'profetas' ou 'pregadores'.

Lembro que estas são visões minhas, sinta-se livre para concordar ou não.

Quando temos uma religião ou grupo de religiosos que entende seu dever, direito ou função ditar como devemos nos comportar, o que podemos ou não ouvir, ver, ler, assistir e fazer, estamos adentrando um terreno perigoso em que a religião - não a fé - passa a agir como Estado impondo suas regras a todos que não a seguem independente de quem seja.

Quem discorda é considerado inimigo daquela 'fé', é perseguido e execrado e atacado por todos os lados até se converter ou ser expulso da sociedade no melhor estilo medieval ou até pior. A religião é uma falha grotesca da humanidade que precisa ainda de algo que lhe dê algum lenitivo para questões que talvez jamais consiga responder e, se agisse apenas como amparo da alma reconfortando a quem entende precisar desse tipo de apoio, não teríamos problemas pois a religião, quando age desta forma, atua como um tipo almofada emocional.

Como disse acima, temos problemas quando a religião passa a querer ditar como devemos ser e nos comportar de forma generalizada e a religião não pode fazer isso pois não lhe cabe este papel, isso cabe a cada um de nós e ao Estado que deve zelar pelo tecido social da melhor forma possível.

A religião é feita por homens, o que sabemos de cada uma delas foi herdado de uma série de crenças e escrituras que não se sabe quem escreveu ou como foram escritas, em qual contexto ou com qual intuito e pior, tudo feito por seres humanos, as criaturas mais falhas que já pisaram na face do planeta. Como dar crédito a algo que uma pessoa, julgando-se iluminada e eleita, prega como verdade universal e inconteste? Não cabe questionar? Devemos aceitar piamente? Muitas religiões não aceitam qualquer tipo de questionamento e se o fizermos, seremos encarados como descrentes ou pagãos.

Eu só passarei a crer em alguma religião quando a divindade ou divindades que em tese a sustentam materializarem-se na minha frente corroborando cada detalhe do que está escrito, converto-me na hora sem titubear!

Mas, você pode dizer, você também vive sob um conjunto de regras que não sabe ao certo quem fez e ainda assim as segue. Justo. Porém, esse conjunto de regras não foi ditado por uma chama, arbusto, voz misteriosa e potente ou visão, são regras que resultaram de séculos e milênios de evolução social e que são feitas por pessoas eleitas por nós para mantê-las e alterá-las quando necessário, podem e devem ser questionadas e inquiridas, devem evoluir e acompanhar a sociedade que é sempre mutante, não são mandamentos cuspidos de uma montanha ou ditados por nuvens no céu.

Agora chegando ao título do post, quando temos uma religião ou grupo religioso censurando qualquer tipo de manifestação artística ou de opinião porque estas ofendem sua fé, estamos, se nos calarmos, abrindo um precedente horrível para que amanhã outras opiniões ou expressões sejam censuradas igualmente até chegarmos ao patamar de nos sentirmos coibidos de fazê-lo.

É um caminho sem volta e que parece impossível mas é real e está acontecendo ante nossos olhos e estamos todos fazendo de conta que esta tudo bem. Não está. Quando dermos por nós já será tarde demais para fazer qualquer coisa, estaremos amarrados em nome das divindades e sendo forçados a orar rosários e novenas porque a alternativa a isso será a excomunhão social ou, pior cenário, queimar em praça pública.

Acha exagero?

Lembre que já fizemos isso e muito pior em nome da religião e a história tem o péssimo hábito de repetir-se quando lhe damos as costas...

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