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9 de abr. de 2020

O medo de nós mesmos

Enquanto Bolsonaro articula seu auto-golpe espalhando seus factóides e emparedando a democracia um tijolo por vez, nós seguimos isolados compulsoriamente até que a normalidade decida dar as caras novamente.

Talvez o COVID tenha apenas derrubado uma ilusão de liberdade e autonomia que pensávamos ter envoltos em nossas batalhas diárias por uma vida que nunca foi nossa e que agora descobrimos não ser a que queríamos.

Já vivíamos em isolamento feliz sem reclamar disso, fechados em nossas casas, trancafiados atrás de portas, fechaduras, travas e cadeados vendo o mundo passar pelas telas do computado, celular e TV e aceitávamos isso como parte da modernidade facilitadora da vida, benesses tecnológicas facilitadoras.

Quantos de nós efetivamente sabiam como foi o dia uns dos outros, tinha uma genuína preocupação com isso para além de curtir ou repostar uma foto ou comentário? Aquele bom dia que não saía da boca, aquele aperto de mãos que não vinha nunca, aquele olhar que jamais chegava. A imersão digital que nos alimentava a vida supria com folga a necessidade de toque e contato humano relegando este a ocasiões específicas e pontuais.

Ainda nos víamos, conversávamos, sorríamos e olhávamos uns para os outros mas sempre sob um olhar on-line considerando aquela pessoa a nossa frente algum tipo de emulação de seu eu digital, nos perguntando intimamente se aquela simulação era parte do feed das redes e concluindo, de forma nada empírica, que por dentro o que havia era um pão há muito bolorento.

A pandemia colocou abaixo esse simulacro de civilidade forçando nossa vista para o interior jogado para baixo do tapete da vida, acabamos confrontados com nós mesmos e com o outro e descobrimos que nem ele, nem nós éramos quem imaginávamos ser. Trancados dentro de nossas casas, acabamos tomando uma consciência de que nosso corpo é finito em si, suas necessidades são outras totalmente diferentes das que o cotidiano externo clamava e nossas vidas independem de algum tipo de fé irrestrita numa ideia vaga de que as coisas são como são e de que tudo se resolve por si.

Confrontados com a clausura forçada, descobrimos que há vida dentro da vida que tínhamos, uma vida que não sabíamos, que desaprendemos, que esquecemos e tivemos de reaprender a usar. Seremos os QUARENTENIALS, os filhos da pandemia e sairemos dela com outros modos e hábitos. Talvez sejamos testemunhas do pós-internet pois se por um lado a rede ajudou muitos de nós a não enlouquecer, acabou mostrando nossa dependência um do outro e como a hierarquia social que julgávamos justa era apenas uma falácia.

No melhor cenário, sairemos disso com algum tipo de noção renovada da importância do convívio humano ainda que, num primeiro momento, temerosos de ter essa contato. No pior cenário, passaremos a ser criaturas isoladas e que valorizarão a individualidade real e virtual ainda mais concluindo que o suficiente para sermos felizes é termos apenas a nós mesmos o que, grosseiramente, não está assim tão longe da verdade.

O que não morrerá e certamente aumentará é o medo que temos uns dos outros, esse medo não apenas pela violência social que nos aparta e afeta mas o medo congênito de que o outro sempre é uma ameaça de algum tipo a nossa integridade, sanidade e autenticidade enquanto indivíduos. Se antes vivíamos esse medo de forma comedida e um tanto educada, polindo as arestas sociais que nos afetavam e tolhendo o contato com pessoas que se apresentassem como potencialmente nocivas, no mundo pós-pandemia teremos de somar a esse medo o medo de que esse outro competindo pelas mesmas coisas que nós também pode ser arauto de doença e morte e por isso mesmo deve ser isolado e afastado tanto quanto for possível.

A herança da pandemia será essa, o medo desnudo e irrestrito, justificado do outro que passa a representar uma ameaça real e não mais imaginária e desse medo nascerá o homo pandemicus que saberá lidar com essa convivência virótica melhor que seus antecessores.

A ver.

2 de mar. de 2020

Deus não está aqui

Desde que nos separamos de nossos parentes primatas na cadeia evolutiva e adquirimos consciência de que éramos parte atuante do mundo ao nosso redor, buscamos, como espécie, um sentido ou explicação para essa viagem doida que é viver.

Para explicar fenômenos naturais, astronômicos e as mazelas nossas e do mundo, passamos a atribuí-los a entidades superiores que ou nos recompensavam ou castigavam conforme nosso comportamento, fé ou ausência dela, ou apenas porque lhes apraz fazer com que nós, meros mortais, soframos para seu divertimento e lazer. Desse amálgama de crenças e conjuntos de ideias surgiram a grande maioria das religiões atuais e, porque não dizer, com elas boa parte das desgraças e guerras no mundo.

Não questiono a fé que penso ser algo mais etéreo e inerente ao humano independente se a temos numa divindade, divindades, entidades ou seja lá o que for, penso a fé como algo que transcende qualquer conjunto de crenças e delas independe já podemos associá-la a qualquer coisa terrena da mesma forma.

O que me desagrada são as religiões pois foram feitas por homens que, por sua vez, são falhos pois são humanos e assim, as religiões também o são. Acho pouco provável que as escrituras sagradas de qualquer religião tenham sido escritas por algum tipo de divindade, ditados por alguma entidade divina ou coisa que o valha, para mim, são obras ficcionais de qualidade extremamente convincente ou questionável servindo mais como parábolas e simbologias para determinar um conjunto de regras que os crentes devem seguir e os castigos caso não o façam.

Não admira que cada religião tenha dentro de si tantas divisões e sub-divisões já que tais conjuntos de escrituras estão sujeitos a interpretações por seus seguidores, quando um deles ou um grupo deles passa a discordar ou entender de forma diferente o que as escrituras pregam, temos o cisma, a heresia, o protesto e a divisão e daí por diante. Igualmente, não é raro que essas diferentes visões colidam ou tenham arestas o que acaba por causar boa parte das guerras, fomes, perseguições, chacinas, crimes e todo tipo de horror em nome do que cada um entende ser a verdadeira fé.

Não condeno quem segue ou crê em alguma religião, se lhe dá algum alento e conforto, ajuda e entender as vicissitudes da vida e o fardo cotidiano a ser carregado, fico feliz por você mas, quando a religião passa a servir de alicerce para mater, odiar, perseguir, discriminar, ofender, separar, isolar e desmerecer o outro então temos um grave problema e, infelizmente, grande parte senão a maioria das religiões parecem estarem felizes e em paz consigo e seus acólitos apenas quando perpetrando ou disseminando tais atos.

A religião é a droga mais pesada já inventada pelo homem, inventada sim pois como disse mais acima não veio de uma sarça ardente nem de algum ser etéreo que apareceu do nada ou reviveu depois de morto, veio do inconsciente coletivo que necessitava de algum tipo de almofada emocional que permitisse lidar e explicar com as coisas ruins que se passavam e, por osmose, dar graças pelas coisas boas no melhor estilo comportamental.

Somos criaturas alimentadas por estímulos, condicionados desde sempre, fomos adestrados pela tecitura social a saber que, se nos comportamos bem, teremos recompensas, se nos comportamos mau, seremos punidos de acordo e na proporção de nosso erro ou ofensa. A religião trabalha exatamente estes conceitos prometendo o paraíso e vida eterne para aqueles que são bons e o inferno e danação para quem não agir bem, elas embutem a noção de pecado para poluir nossa moral e substituí-la por outra que vai de encontro com as regras da religião lidando com a culpa como moeda de troca, o pecado como salário do medo e a absolvição como recompensa.

Obviamente que não podemos colocar todas as religiões nos mesmo balaio, há exceções mas são casos raros e que acabam pendendo mais para a filosofia do que uma crença em si, podemos dizer então que as religiões em si não são más, apenas os homens que as fizeram mas, se tais homens são falhos então as religiões também o são e então, nas brechas dessas falhas é onde o humano encontra terreno fértil para dar vazão a seu lado mais horrendo.

Por isso eu creio que deus não está aqui, nunca esteve e nunca estará, se você procura deus, o melhor caminho seria olhar para dentro de si mesmo.

13 de jan. de 2020

Mono não é Estéreo

Em outros textos, refleti sobre novas formas de relacionamento e amor e, após ler esta entrevista de Manuel Lucas Matheu, estudioso do sexo e relacionamentos humanos, só passei a ter mais certeza do tipo de relacionamentos que desejo ter em vida (os pós vida não sei porque ainda não temos testemunhos que comprovem como são as coisas do lado de lá).

Fique claro que estas são as MINHAS opiniões e que relacionamentos são complexos e cabe a cada um de vocês encontrar o que funcione para si e para seu companheiro, companheira, companheires. Eu mesmo passei por um processo de desconstrução e ainda me encontro nele pois relacionamentos e o afeto humano não são coisas estáticas mas mutáveis.

Explico essa última frase.

A estagnação, a famigerada zona de conforto e a acomodação são 'patologias' que matam o humano e tudo que o cerca incluso os relacionamentos. Se você busca um relacionamento para ter segurança então sugiro que repense seus conceitos sobre relações humanas pois um relacionamento não é porto seguro de nada, o oposto disso.

Somos criaturas inquietas e termos adotado uma conduta sedentária desde que passamos a dominar as fontes de alimento e tecituras sociais não nos fez menos nômades, apenas trocamos o vagar físico pelo vagar emocional, em termos de sexo e amor seguimos tão nômades quanto nossos ancestrais sendo a diferença as amarras e convenções sociais que ainda tentam conter nosso desejo a uma esfera de socialmente aceito.

Somos tão diferentes da pessoa que fomos ontem quanto da pessoa que seremos amanhã ou da que seremos daqui a cinco minutos, ser humano é ser mutante e evoluir e, assim sendo, um relacionamento precisa evoluir igualmente ou estará fadado ao erro e a causar angústia e frustração a quem estiver nele envolvido.

Achar que seremos felizes para sempre é uma crença horrenda que nos faz buscar cada vez mais por uma felicidade utópica romantizada e vendida como ideal de vida sendo que jamais a conseguiremos e passaremos a preencher o vazio que surge dessa busca inútil com coisas como bens materiais, drogas lícitas ou não e toda e qualquer coisa que ajude a encarar o fato de que tal modelo inexiste fora das percepções e capacidades individuais.

A monogamia é uma construção social que tem suas fundações em noções de moral e tradição elaboradas única e exclusivamente para manter a todos nós em rédeas curtas e, fim principal, a distribuição de riqueza e poder limitada às classes dominantes perpetuando seu domínio e status quo.

É humanamente impossível que sejamos suficientes, no conceito de monogamia, para suprir as necessidades, anseios, desejos, amor, expectativas e porque não fetiches e taras uns dos outros. Na construção monogâmica jogamos esse peso todo nas costas do outro demandando dessa pessoa que seja capaz de suprir tudo isso quando ela mesma faz igual conosco, nesse jogo não há ganhadores pois essa expectativa de locupletação é impossível e, ao final, teremos pessoas infelizes e tão frustradas que acabarão por odiarem-se de forma visceral pelo simples fato de não terem correspondido às expectativas que deveriam ser da responsabilidade individual e não atribuídas aos outros.

Acredito mesmo que durante nosso tempo de vida amaremos mais de uma pessoa seja em tempos diferentes ou ao mesmo tempo e que essas pessoas atenderão a diferentes necessidades nossas de formas diferentes perfazendo o conjunto da obra algo tão próximo quanto possível do que sonhamos ser a felicidade que desejamos.

Algumas pessoas podem ser apenas um dia, horas ou minutos, outras meses, anos, décadas mas cabe a nós e a elas entender o que podemos fazer uns pelos outros para tornar a vida menos miserável e mais agradável e ter a noção de que o amor romântico perpetuado pela arte, mídia e convenções sociais é uma posse terrível que remete aos piores modelos escravocratas.

Denominar-se dono e senhor da felicidade e prazer alheios é um ato sórdido de dominação colonial e reflexo de milênios de regras religiosas e morais caducas que se recusam a evoluir mesmo ante mudanças radicais no tecido dos relacionamentos humanos e, a onda conservadora que vivemos é um ato desesperado para conter essa mudança que, sinto dizer aos moralistas de plantão, não arrefecerá.

O amor e o desejo não podem ter donos, não é saudável que nos consideremos amos e senhores dos corpos e almas e corações uns dos outros quando apenas nós mesmos temos tal autoridade. Essa noção de que somos apenas um para o outro é um sonho distorcido pois o olhar e o sentimento não conhecem barreiras ou regras, vão onde querem e desejam quem quiser e quando isso bate de frente com a imposição monogâmica de unidade geramos o conceito de traição e condenamos o traidor como se houvesse cometido um crime hediondo quando houve apenas sexo, desejo ou amor e qual desses itens pode ser considerado de posse de algum de nós?

Pode parecer que atesto a desfeitura de todos os tecidos sociais e modelos de relacionamento mas não, relacionamentos saudáveis são baseados em respeito, diálogo e companheirismo, o amor romântico surge no começo mas, com o passar do tempo, ele se transmuta em algo maior que transcende as barreiras convencionais e torna-se algo que nos acalenta e alimenta enquanto seguimos pela vida buscando o que nos faz felizes.

Talvez soe paradoxal mas o amor que aprendi a acreditar não é um amor de posse mas um livre que lhe permite ser feliz com a pessoa ou pessoas que você ama seja em qual momento for e creio mesmo que nós LGBTQs temos por obrigação reinventar os relacionamentos ditos padrão já que não refletem as necessidades ou anseios nossos mas são uma herança modorrenta de uma sociedade machista, patriarcal, normativa e zelosa da tradição, família e propriedade.

A monogamia foi a invenção mais perniciosa que a sociedade humana inventou e acredito que estamos começando a aprender como nos curarmos dela mesmo tendo ao nosso redor críticos e ofensores e até mesmo parte da comunidade científica que, algumas vezes, alega que a monogamia é a única via de contenção de DSTs e outras mazelas do corpo e da mente (parcela da ciência que anda de mãos dadas com os crentes e conservadores de plantão).

Se até o som é estéreo, porque nós deveríamos ser mono?

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...