27 de abr. de 2022

a evolução das espécies

Já fui um chato musical, humor ácido, fel puro para tudo que não fosse compatível com meu gosto musical ou com aqueles que nunca houvessem ouvida falar de bandas e artistas clássicos que eu e tantos outros julgam como Deuses intocáveis e que devem ser reverenciados, qualquer coisa fora disso deve ser execrada e vista com maus olhos e isso não apenas na música mas na literatura também, melhor falar mal e apontar o dedo porque certas obras nunca deveriam ter visto a luz do dia.

Mas, mudei talvez radicalmente de postura, amadurecimento? Não sei, pode ser.

Ficar preso no passado é algo perigoso, acreditar que apenas esse ou aquele estilo musical, esta ou aquela obra tenham valor porque são inovadores, provocantes e fazem jus em ingressar num panteão seleto é algo pior ainda, quando deixamos que nossos gostos pessoais atuam como ofensores quem sai perdendo somos todos nós e não apenas quem produziu aquela peça de arte.

Arte e cultura não artigos seletivos ou elitistas, são meios de expressão de uma sociedade e de sua cultura, não adianta torcer o nariz e dizer que na sua época sim é que era feita música boa e que este ou aquele livro é um lixo ou nunca deveria ser publicado, ao diminuir e desmerecer quem produz arte estamos fazendo favor a quem está empenhado em destruir nossa cultura, estamos deixando o jogo deles muito mais fácil ao nos dividirmos usando gosto, crítica ou bom senso como parâmetros de avaliação.

Arte, cultura, música e livros são coisas muito pessoais, lidam com nossas emoções e sentimentos de formas que ainda não entendemos direito, podemos todos ouvir a mesma música, ver o mesmo filme e ler o mesmo livro e certamente teremos opiniões distintas porque eles irão mexer com nossa individualidade de formas totalmente diferentes, não somos todos iguais então, as experiências de cada um ao entrar em contato com a arte e cultura serão também distintas e isso não é uma coisa ruim.

Então, antes de falar mal do funk, pensar no que ele representa para que o ouve, como ele atua na formação de identidades e retratar a realidade de muita gente; antes de falar mal do sertanejo pense a mesma coisa e por aí vai. Precisamos para de forçar nossas opiniões e gostos, se algo não nos agrada não significa que não tenha valor e seja ruim pois terá valor para outra pessoa e poderá dizer e representar muito para ela.

Estipular uma norma pela qual a arte a cultura devem ser produzidos ou consumidos é elitizar e restringir o acesso de muitas pessoas e pior, é desmerecer tais manifestações por não irem de encontro com normas cultas e/ou academicismos, é dizer que uma parte da arte e da cultura são boas enquanto o resto é lixo e, sinceramente, a importância de uma obra de Van Gogh ou de um disco dos Racionais é a mesma ainda que você possa ficar horrorizado ao ler isso. A única (se houver alguma) diferença é o contexto histórico de cada uma mas em termos se representação e sensibilidade quem pode julgar sua relevância? Porque uma pessoa não sabe interpretar uma tela de Van Gogh ela deve ser considerada menos apta culturalmente? Por ouvir rap ou funk uma pessoa pode ser considerada mais ou menos capaz de discutir arte e cultura?

Manifestações artísticas devem refletir o tempo em que estão inseridas, devem atender os anseios de quem vive e não de quem já morreu, arte e cultura que se dediquem a perpetuar o passado estão fadadas a sumir ou serem apenas casos de estudo acadêmico. Se a música hoje morreu para uma parte das pessoas, ela segue viva e bem para outra parte, dizer que no seu tempo era melhor pode até ser verdade para você mas não desmerece o que está sendo produzido agora porque está sendo feito para quem vive hoje e não há dez, vinte ou trinta anos ainda que as referências sejam, às vezes, evidentes.

O mesmo se aplica a literatura.

Livros dialogam conosco ainda mais intimamente então, é difícil julgar o que pode ser considerado boa ou má literatura. Porque um livro não me agrada ele deve ser considerado ruim? Porque a crítica especializada assim o disse, um livro deve ser descartado? Quem definir quais os parâmetros de bom ou ruim?

Obviamente que os estudiosos de teoria e crítica literária tem um olhar refinado e preparado para fazer tais separações mas, quem realmente é capaz de dizer ou definir o que é um livro bom ou ruim? Ao detonar um autor e sua obra o que se está ganhando efetivamente? Estaríamos preparando leitores ou apenas elitizando? Se um livro é considerado ruim pela crítica, ele não tem valor para ninguém? Quem define a norma? Se todos devermos ler apenas os laureados, como ficam os outros autores? Devem ser banidos e marginalizados? Eles não tem valor?

Talvez o papel de críticos e afins seja de analisar as obras e quais seus defeitos e apontar onde o autor pode melhorar e não apenas difamar e destruir o sonho de alguém matando pela raiz algo que poderia render frutos bem interessantes. Ao escolher diminuir ou destruir essas expressões em seu berço, estamos apenas reforçando um comportamento elitista e de privilégios, não seria melhor a abstenção ou outro meio de crítica?

Oras, diria você, mas aí ficaria difícil separar o joio do trigo e muita coisa ruim ganharia reconhecimento. Voltamos a questão 'per se', quem define o que é bom ou ruim? Eu? Você? E se o que é bom para você for ruim para mim e vice-versa? Quem vai bater esse martelo? Quem vai arbitrar essa questão?

Talvez o melhor caminho seja simplesmente dizer que esta ou aquela música, este ou aquele livro, este ou aquele filme não me agradam porque não foram capazes de dialogar comigo, provocar uma reação, inflamar, estremecer e isso é normal! É impossível esperar que manifestações culturais e artísticas afetem a todos do mesmo jeito, o que precisamos entender, praticar, é o respeito e empatia pela experiência do outro porque ela, assim como a nossa, é única!

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