20 de out. de 2022

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10

Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu namorado na época e já meio que namorando com um outro cara que lembrava um pouco ele, que dizer, ato falho ou hábitos antigos são os mais difíceis de abandonar.

Lembro de chegar na festa com meu novo boy e ajudar meu amigo com várias coisas da festa e, ao mesmo tempo, evitar ficar cara a cara com meu ex. Deixei o boy novo dançando e disse que precisava ajudar meu amigo na organização da festa e ele aceitou e eu realmente estava ajudando até que, certo momento, meu ex já um tanto bêbado me puxa para conversar e pergunta o que eu estava fazendo com aquele cara que não tinha nada a ver comigo e lembro de um diálogo tenso que terminou com cada um indo para seu lado com algum tipo de ferida para lamber.

Lembro de acabar a festa e eu me oferecer para dar carona para algumas pessoas que moravam perto incluso vocês sabem quem. Lembro de chegar na casa dele e ele me pedir para descer, lembro de nos beijarmos e nos chuparmos e nos amaramos numa laje e ele dizendo que eu era dele e ele era meu mas talvez fosse apenas o álcool falando, lembro de voltar para festa, pegar me ficante e ir embora e, dias depois, terminar com ele para voltar com meu ex, quem nunca..

Lembrança #11

Lembro desse mesmo ex e de uma das N vezes que terminamos e voltamos e de como eu ficava buscando pela cidade traços dele, buscando sua trilha e pequenos detalhes que ia juntando para montar um quebra cabeça que nunca se completaria. De ouvir dele aqui e ali e de uma vez, chegar na casa de um amigo para descobrir que ela acabara de sair e encher a cara porque eu não aceitava, a gente quando é novo sempre acha e enche a cara para esquecer mas depois fica velho e acaba enchendo a cara para esquecer também mas não o ex mas o tempo que joga contra e nos mostra os ponteiros cada vez mais rápidos.

Lembrança #12

Levar ele para casa de carro, a estrada aberta e escura, apenas as luzes do painel e a música tocando feito algum efeito sonoro vindo de algum mundo diferente e ele com a cabeça deitada em meu colo - nunca antes de entrarmos na estrada, sempre ao entrarmos, como se ali naquele breu feito de asfalto de lanternas fosse o lugar onde eu e ele poderíamos enfim repousar um no outro - e eu tentando trocar as marchas sem incomodar ele e olhos fixo na estrada e um sentimento de completo e amor e posse de mim que não cabia naquele caminho feito de escuridão e luzes falsas e eu com um sentimento de que aquele era meu mundo e de que eu poderia morrer ali mesmo porque seria bom porque ele estaria comigo e ele em seu sono em meu colo era algo palpável, rastreável, vivo e que me dizia que a vida era possível e que amar ao menos ali era bom, um pedaço de estrada e música e um amor no colo é tudo que se precisa para se feliz...

19 de out. de 2022

lembranças de uma infância que eu talvez tive

Lembrança #6

Meu pai adorava aviação, talvez por isso eu tenha acabado trabalhando nela anos a fio. Lembro de me levar ao Campo de Marte, tirar fotos com os aviões, de festas de fim de ano em Congonhas, saía com um saco de brinquedos. Lembro de irmos em Congonhas (não havia Guarulhos na época) apenas para ver os aviões pousarem e ele me dizia os nomes e modelos de cada um deles. Lembro que ele me iniciou no modelismo, montávamos os kits Revell juntos e depois eu passei a montar sozinho e sempre aviões.

Havia algo mágico nos aviões, talvez o único campo de interesse comum entre ambos já que outros eram intangíveis, os aviões eram um campo seguro mesmo que voassem. 

Lembro uma vez em Ubatuba, a família em férias alojada numa casa próxima do aeroporto local, privilégios de quem trabalhava com aviação, lembro das marmitas do Jorge que era nossa alimentação diária, minha mãe nunca foi afeita a culinária, eram aquelas marmitas de metal que vinham num tipo de gancho de metal umas em cima das outras, em cada uma um prato da refeição.

Lembro de um dia meu pai me chamar, íamos dar uma volta só que seria de avião, pegamos o monomotor com um dos pilotos locais e fomos de Ubatuba até São José dos Campos, bate e volta, lembro do avião mais parecer um aquário com asas, o barulho do motor e do vento e da sensação de que não havia chão e que meus pés estavam flutuando no ar.

Lembrança #7

No mesmo lugar acima, lembro de um trem fantasma, desses de parque pequeno, de praça, aqueles do tipo pague para entrar, reze para sair, nunca um trem fantasma teve um nome tão apropriado.

Lembro de meu pai, enquanto duraram nossas férias, estar vestido sempre com um chinelo de dedo feito de algum tipo de fibra de palma ou algo assim, uma bermuda cáqui que ele prendia à cintura usando uma cordinha para horror da minha mãe.

Lembro de irmos no trem, não lembro muito bem do brinquedo em si mas sim de meu pai, ao final, perguntar para mim se eu havia sentido algum choque ao que respondi que não, nenhum. Ele insistiu, encafifado pois ele havia sentido mas respondi que não até que finalmente ele fez a conexão, seu chinelo estava molhado e, ao colocar as mãos na barra do carrinho para segurar e com algum fio fujão desencapado, fechou o circuito e então, os choques, lembro dele rindo e minha mãe pasma.

Lembrança #8

Lembro do natal, natais, em casa, árvore e enfeites e a espera pelo Noel que não podia ser visto ou não deixaria os presentes. Na manhã seguinte, as coisas materializavam e eu acreditava que o Noel havia passado e recompensado meu bom comportamento.

Lembro tempos depois já desconfiar que esse papo de Noel era fake news e, um natal, depois de pedir um certo brinquedo e intuir que o bom velhinho era na verdade cria da casa, ter descoberto no guarda-roupa o presente e desfeito as ilusões minhas de de meus pais afinal, não são os filhos meros conduites para os sonhos dos pais?

Lembrança #9

Lembro da criatividade do meu pai, coisa que herdei dele, uma capacidade de fazer aliterações e tiradas rápidas, Wans diz que eu sou ele e quando ficar velho, serei ele sem tirar nem por.

Lembro dele ser de uma cultura imensa e essa bagagem lhe permitia brincar com praticamente tudo desde verbos, coisas banais e coisas importantes. Lembro dele falar (e minha mãe odiar) que ia C.A.G.A.R e eu ficava completamente sem entender nada e apenas recentemente me caiu a ficha do que ele ia fazer, assim era ele.

18 de out. de 2022

obrigado, presidente

Obrigado, presidente!

Por me fazer ter vergonha de minha bandeira, das cores do meus país, de ser brasileiro, de morar aqui, de ser gay, de ser alguém, de estar vivo, de estar onde estou.

Obrigado, presidente!

Pelo ódio, pela raiva, pela ignorância, pela intolerância, pelo preconceito, pelas pedras que colocou em nossas mãos, pelos palavrões que colocou em nossas bocas, pela luta constante para ver quem é o pior, por trazer de volta o monstro em nós, por nos tornar feios de novo, nunca fomos belos de verdade, só disfarçávamos muito bem usando a maquiagem do social e politicamente correto, por nos fazer ver a figura grotesca no espelho que tínhamos coberto, por nos fazer lembrar do gosto de sangue, por nos fazer andar de quatro de novo.

Obrigado, presidente!

Por ser imbrochável, somos uma nação de viagras, um país de paus duros, um povo priápico, ereto eternamente em gozo esplêndido ao som do mito e luz do podre profundo, por ser nosso deus, nosso mito, nosso compasso capenga moral, bastião da moral e família, por nos fazer cidadãos de bem, trabalhadores, pais de família, não importa que estupremos nossas mães e filhas, espanquemos nossas mulheres e cuspamos em nossas putas, o cidadão de bem precisa ser protegido.

Obrigado, presidente!

Por nos fazer ficar sem ar, por nos fazer ficar sem vacina, sem remédio, sem cova, sem comida, sem teto mas esse é o preço que é baixo perto da facada infeliz, por nos fazer de otários todo santo dia, por nos fazer de idiotas toda hora, por nos tratar feito incompetentes, feito crianças, feito bebês, por rir da nossa cara, fazer piada com nossa morte, rir de nossa desgraça e por ser esse mito.

Obrigado, presidente!

Por me fazer entender que o Brasil não gosta de bixa, nem de lésbica, nem de travestis, nem de queer, nem de não-binários, nem de pessoas trans nem de nada que não seja do espectro cis normativo, por me fazer entender que não sou nada, não sou ninguém e que minha existência é um erro, por não nos estuprar porque não merecemos, melhor estuprar seu cercadinho porque lá esse é o sonho deles.

Obrigado, presidente!

Por finalmente me fazer enxergar quem me odeia, por me fazer ver quem sempre riu de mim e quer me ver morto, por fazer caírem as máscaras, por me fazer bloquear na vida real e digital pessoas que se diziam minhas amigas e amadas, por me fazer ver que eu vivia em um covil de lobos, por me fazer acordar e encarar a realidade, por me fazer ficar apenas com as pessoas que realmente importam, por me fazer acreditar no que realmente importa, por me fazer lembrar o que realmente importa, por me fazer viver o que realmente importam por me fazer importante, por importar a decência que eu havia esquecido, por importar a felicidade pela qual eu preciso sempre lutar, por importar a luta que eu achei ter ganho, por me fazer sair de um torpor e olhar a cara da realidade por mais amarga que ela seja.

Obrigado, presidente!
Obrigado...

17 de out. de 2022

falta de bom censo

Fomos visitados pelo Censo 2022.

Visitados não seria a palavra certa pois a moça do censo ficou na portaria e foram interfonando nos apartamentos perguntando quem estaria disponível para responder algumas perguntas, não sei dizer quantos moradores responderam mas eu, como estava em casa, atendi de pronto ao chamado do dever social afinal, um censo serve, em tese, para mapear a população e suas condições de vida e sociais para que, novamente em tese, o governo possa atender da melhor forma possível as demandas da sociedade ou, no caso do atual governo, quantos somos, onde estamos e como vivemos para que decida qual forma mais rápida e eficiente de nos eliminar.

E é justamente nesse ponto que desejo chegar.

A recenseadora fez as perguntas de praxe, nada de novo, aquelas de sempre, quantos quartos, quantos banheiros, aparelhos domésticos, carro, grau de escolaridade, renda mensal e tudo mais que serve para ter uma foto clara de quem somos, como se eles não soubessem no centavo tudo isso.

O que mais me deixou pasmo e indignado foi não haver recorte sobre identidade de gênero e/ou orientação sexual, nada, absolutamente nada ou seja, ao informar que moramos em duas pessoas aqui a recenseadora assumiu implicitamente que somos heterossexuais pois não havia esse recorte na pesquisa.

Existem muitas maneiras de apagamento, desde as mais horrendas envolvendo extermínio e genocídio mas, como essa costuma 'pegar mal' mesmo ainda sendo pregada e executada mundialmente, a gente que prefere fazer de conta que não vê, até as mais discretas e silenciosas e que, de certa forma, são até piores porque, na primeira opção pelo menos o ódio é declarado e escancarado enquanto na outra, disfarçado de motivos mais elevados, o apagamento vai matando aos poucos, silenciosamente e fazendo com que as pessoas sintam que estão lentamente deixando de existir ainda que estejam vicas.

A não inclusão do recorte LGBTQIA+ no Censo é essa segunda forma.

Ao não fazer esse recorte, o atual governo deixa claro que essa parcela da população inexiste, reforça e segue o apagamento iniciado em 2019 com o desmonte de politicas sociais voltadas para o público LGBTQIA+ seja na área de cultura, onde a questão de gênero e sexualidade e diversidade é vetada em qualquer edital público; educação, onde falar de educação sexual, diversidade e preconceito é proibido sob o olhar vigilante dos pais conservadores e saúde onde o desmonte de políticas de atendimento e prevenção a DSTs e HIV/AIDS estão por um fio.

O sonho Bolsonarista, não se iludam, é colocar a todos nós num grande forno, ligar e depois enterrar as cinzas, como eles não podem fazer isso então partem para a segunda opção, retirar de nós tudo que seja necessário para nossa sobrevivência e, como parte desse plano, apagar nossa existência, negar que estamos aqui.

Não sermos parte do Censo deixa claro que, para o atual governo, somos desnecessários e podemos ser esquecidos, ao não termos esse recorte, nossa identidade é apagada e quaisquer esperanças de políticas sociais para as pessoas LGBTQIA+ desaparece afinal, o resultado das pesquisas vai demonstrar que o Brasil é país de machos imbricháveis, não tem viado no Brasil!

Negando num processo tão importante e complexo como um Censo a identidade e orientação de cada um nós não normativos, o governos está em nossas caras, rasgando nosso direito de existir e reconhecendo que, no plano de país atual, não temos lugar ou espaço, somos não-pessoas, não podemos nem devemos declarar nossa sexualidade e identidade porque elas não existem no plano Bolsonarista.

Não podermos, num Censo, declarar quem somos de fato é algo horrível e atroz, mostra o quanto, para esse governo, não representamos nada, como somos indesejados e temos pouca importância, não é preciso perguntar pela sexualidade porque no padrão Bolsonarista só existe uma, todas as demais são aberrações e devem banidas ou colocadas em guetos, jamais vistas na luz do dia.

Esse é um apagamento que dói muito porque nos rouba a cidadania e a individualidade, ao não reconhecer essa parte essencial de nossas vidas e que nos define sim como pessoas, o recado está claro!

Não existimos e, se não existimos, não há necessidade de se preocupar conosco e, se não é preciso se preocupar, não faz mal se morrermos porque serão mortes inexistentes, iguais aquelas do COVID que Bolsonaro tanto demente...

14 de out. de 2022

quem vai pagar pelos corações partidos?

quem vai pagar
quem vai pagar?
pelos corações partidos, pelos partidos, pelos pedaços de carne e veias que ficam no chão enquanto as vidas seguem seu rumo no meio de gente que não sabe que precisa entender que a perda é feita de perdão?

há medos e medos, medos que não tem nome e outros com tantos nomes que nem sabemos qual usar. quando botamos nomes criamos laços e laços são inquebráveis, só pela morte que um laço que fecha todos os laços. a vida é feita de laços, uns a gente desfaz, outros a gente faz e não desfaz, uns outros a gente faz e preferia não ter feito e a gente vai virando esse emaranhado sem fim ou começo.

falei de lembranças essa semana e elas são seres independentes, são além do que sabemos e entendemos, ela tem vida própria e se comportam de maneira aleatória e por isso nos assaltam e nos deixam sem ação. já notaram como elas se acumulam mas não damos fé?

não sabemos o quanto temos delas até que algo as dispara e faz reviver em nós, por nós, santo santo santo, senhora dona do universo rogai por nós!

quem lembra
lembra
que a lembrança é a única coisa que fica

13 de out. de 2022

lembranças de uma infância que não sei se tive

Tive umas recordações essa semana não sei se via sonho ou flashes durante o dia disparados por alguma música, filme, foto ou situação e qual a diferença entre um e outro mesmo? Não seriam as recordações e memórias pequenos flashes de luz que guardamos, a luz viaja rápido, tão rápido que deve ser capaz de gravar muita coisa em nossa mente mas, somos incapazes de recuperar tudo porque não operamos na mesma velocidade, estamos lentos, a luz não, somos presos a momentos que a luz nem mesmo considera de tão rápida mas, que ficam eternizados sem sabermos e depois, do anda, disparados por uma situação aleatória, inundam nossas vidas.

Lembrança #1

Meu pai tinha uma fita K7, sim essas mesmas que hoje são vintage hipster, de um coral alemão chamado Fischer-Chöre da década de 60 e ativo até hoje. Nesse K7, eles cantavam alguns clássico da música popular internacional além de músicas típicas alemãs, lembro de ouvir essa fita seguidas vezes porque ele simplesmente amava, tinha uma queda por grandes orquestras como Ray Coniff e Paul Mauriat entre outros. Lembro de tentar entender as letras e fazer aliterações com base nos sons mas até hoje lembro claramente das melodias e faixas dessa fita como se tocassem diretamente me minha mente. Havia algo de épico nas músicas, algo de místico como se ao tocar a fita algo de sobrenatural penetrasse o mundo material e eu acreditava que aquelas vozes deveriam vir desse lugar e um sentimento de encanto me preenchia, escuto até hoje.

Lembrança #2

Meu pai amava fotografia, deve ser por isso que eu também amo. Já pararam para pensar que boa parte de nossos gostos e costumes vem de nossos pais? Lembrei de uma foto em especial, eu segurando um telefone (com fio, sou dessas época) e sorrindo no melhor estilo criança viada. Vestia um camisa de gola rolê e um colete de lã, com certeza foi minha mãe pois ela era a estilista da família. Estava ao lado de um carrinho-bar e sorria com meus dentes de leite. Não sei onde foi parar essa foto, deve estar perdida junto com outras coisas nas paredes do tempo mas é uma foto que registra um momento, não lembro porque a foto foi tirada mas é uma memória doce eu acho, já era gay mas numa época que isso nem tinha nome ainda.

Lembrança #3

Eu não gosto de carnaval, fato. Talvez a origem desse trauma esteja na tentativa frustrada de meus pais de me fantasiar e levar para um baile não sei ao certo já que essa lembrança é meio turva. Lembro de que me fantasiaram de Zorro, não sei porque mas foi essa e, quando estávamos para sair de casa, eu meio que travei e não quis ir. Não tenho uma lembrança clara de acabamos indo ao baile de carnaval ou se meu pânico desanimou meus pais e acabamos não indo mais mas, sei que foi a última vez - ou quase - que fui em um baile de carnaval. Não sei dizer ao certo se a vergonha era estar de Zorro ou estar fantasiado mas, lembro de ao sair, ver uns garotos na rua e eu acho que eles fizeram alguma piadinha e isso me travou de não ir, enfim, era isso.

Lembrança #4

Não gosto de futebol e, como a lembrança acima, talvez a origem do trauma seja uma tentativa frustrada de meu pai de me levar a um jogo. Não lembro bem qual foi a partida mas lembro que foi no Pacaembu e de estarmos na arquibancada. Lembro de meu pai sentado ao meu lado e eu olhando para o campo sem entender nada do que estava acontecendo. Não lembro de qualquer reação dele ou mesmo do que aconteceu depois mas, até onde sei, foi a última vez que pisei num estádio para ver um jogo, acho que meu pai já sabia que seu filho não lhe daria orgulho nesse departamento e muito menos em outros e por isso, nunca mais insistiu, eles sempre sabem os pais, sempre sabem.

Lembrança #5

Tive um affair no ginásio, sim sou dessa época. Era um tempo de descoberta, não era hoje em que tudo está ali disponível online e você tinha de descobrir as coisas por si e aos poucos. Tinha essa garoto, mesma idade e que tínhamos começado a descobrir nossos corpos sem saber direito o que fazer e como fazer. Uma vez, ele me chamou até sua casa e eu fui certo de iria gozar, nessa época não havia possibilidade de amorzinho, era algo fora de cogitação e nem mesmo sabíamos como lidar com isso, não tínhamos estrutura e informações para tanto. Quando cheguei, ele me levou até a sala que estava meio na penumbra, apenas uma nesga de luz passando pelas cortinas e caindo diretamente ao chão onde algumas almofadas e um cobertor jaziam calados. Sentamos ali e ficamos naquela penumbra que abraçava nosso desejo e nosso sexo porque era o único lugar onde saberíamos existir e ali nos amamos de forma terna e cuidadosa, poucas vezes me senti tão bem e completo, era um ninho improvisado num mundo que nos expulsara sem ao menos nos deixar entrar.

11 de out. de 2022

faz o pedido

Estamos (mal) acostumados e ter na porta de casa tudo entregue com rapidez e eficiência, viramos uma sociedade de pedidos, uberizada, ifoodizada, applizada, não sabemos mais como pedir algo presencialmente e que não permita conhecer em qual passo está o pedido e rastreamento da entrega.

Pouco nos importa se, para termos tudo em mãos, uma, duas ou cem pessoas precisem trabalhar quase em regime de escravidão para que isso aconteça, não tem importância se o entregador não teve tempo de comer nada, se o Uber está rodando a mais de doze horas, se as dark kicthens fucionam sem fiscalização, se os entregadores precisam esfolar até o talo para entregar no prazo e pouco importa se ele tem de tocar a campainha e esperar, esperar e esperar até que sua majestade, o cliente, decida aparecer com cara de quem não está nem aí, para receber o pedido.

Se não conseguimos conceber um mundo sem internet, tente pensar num mundo sem entregadores, consegue? Imagine ter de ir pessoalmente comprar as coisas e ter de programar seu dia de forma a fazer caber a comida, o mercado, a feira, a farmácia e tudo mais que hoje, com um toque, você faz magicamente aparecer na porta de casa.

E não apenas essas coisas do dia a dia mas sexo e relacionamentos também. Se é possível entregar pizzas e compras, porque não seria possível entrega sexo e amor afinal, são apenas mais duas mercadorias e, se assim são, podem ser entregues.

Viramos uma sociedade de urgências via aplicativos, se falta bebida pedimos, se falta, comida, pedimos, se acabou o papel, pedimos, se acabou o amor e o sexo, pedimos. Os aplicativos de sexo e namoro são apenas isso, uma subdivisão dos aplicativos de compras e comida, a urgência é a mesma, precisamos de sexo e amor tanto quanto de comida de álcool e onde há necessidade, há oportunidade.

Terceirizamos nossos desejos e anseios a algoritmos que nos conhecem melhor que nossas mães, não adianta querer pedir algo diferente, o algoritmo prende a gente na zona de conforto, já conhece nossos paladares, sabe nossas vontade e basta um click para realizar!

E os entregadores viraram parte desse fetiche consumista numa relação que nada fica devendo a escravidão, a casa grande virou condomínio e a senzala hoje veste capacete e tem logomarca nas costas, legalizada, disfarçada de oportunidade e empreendedorismo para não dar tão na cara. O entregador virou o fetiche escravocrata, está lá para suprir a necessidade material e a fisiológica também basta ver a quantidade de vídeos pornô sobre o tema, é mesma fetichização do senhor/escravo, de fazer do prestador de serviço um objeto do qual se pode dispor como bem entender já que o preço está pago.

O mesmo vale para os apps de sexo e namoro, o outro virou um artigo a ser vendido, cobiçado, é preciso ter marketing e vender caso contrário não tem saída, igual aos entregadores, viramos fetiches de nós mesmos ao expormos nossos corpos e desejos nos apps buscando maior exposição feito pavões, a melhor plumagem vence.

Passamos a tratar nosso sexo e desejo e amor como entregas, clicou, chegou, é assim que funciona e depois de entregue, pedimos o próximo, a liberdade que deveria ser celebrada pelo sexo livre, sem culpa ou cobranças, a possibilidade de conhecer gente nova e celebrar a descoberta foram substituídas pela rapidez, igual aos pedidos de comida, queremos os corpos a um click de distância, deu match tem de estar em cinco minutos na porta de casa, nada é para depois, tudo é agora, o momento em construção morreu.

Não nos interessa saber como as coisas são feitas desde que estejam a um minuto de distância, não importa se alguém vai morrer no processo desde que o pedido chegue rápido e intacto, o sexo virou um rastreamento sem fim e o amor um pedido sem rastreamento. Vivemos na dependência e ansiedade da chegada do pedido como se fosse o retorno do messias, o pedido seja ele qual for vai salvar o dia, vai nos fazer alegres e nos fazer sorris, celebremos a modernidade mesmo que ele seja construída com cadáveres de pessoas que não importam, ao menos não para nós afinal, não tem problema que uns ou outros morram para que o pedido chegue, a vida é assim, selvagem...

10 de out. de 2022

o sonho não? acabou (?)

Dia 02 ficamos todos pasmos, em choque, sem entender o que estava acontecendo e com um sentimento de falha, fracasso, erro, medo.

Não deveríamos. Já não passamos por isso tantas outras vezes mas, a memória é curta e seletiva e não aprendemos nada e assim, estamos fadados a, em loop, seguir repetindo até aprendermos a não cair nas mesmas armadilhas.

Nos deixemos levar pela mesma euforia de outros anos, acreditamos que tudo era possível e que as pessoas teriam a consciência de decidir pelo bem maior. Por mais que tenhamos tentado, não conseguimos evitar o sentimento de já ganhou afinal, tudo assim indicava, íamos lavar o país, passar a régua e recomeçar, construir o que fora destruído e colocar as coisas novamente nos eixos.

Que engano! Que farsa! Que mico!

Precisamos porém validar e dar fé das conquistas em níveis 'menores', conseguirmos eleger uma bancada expressiva e representantes de minorias que farão a diferença, isso é muito importante e precisa ser comemorado!

Mas então, porque esse sentimento de derrota? Porque o brasileiro é, antes de tudo, um derrotado nato, pode ser aquele que não desiste nunca mas sabe ser derrotado como poucos. Uma eleição não deveria ser tratada como final de campeonato ou corrida de cavalos, deveria ser algo acima disso, uma oportunidade para discutir assuntos importantes e dar rumo ao país e a sociedade mas, ao invés de propostas e diálogo, tivemos rinha de galos, fofoca e bate boca.

Deixamos de lado a discussão que importa para debater assuntos como banheiros unissex, ideologia de gênero, quem é mais cristão, quem serve o demônio, quem é mais beato, quem defende mais os costumes e não que com isso desmerecer as pautas identitárias e de luta que são importantes mas que deveriam ser discutidas em paralelo e não virarem cavalo de batalha de candidatos.

Voltando a derrota - que não assim uma derrota, vá lá - será que não aprendemos, como disse, nada? Quando vamos entender que a esquerda está sem rumo e presa num messianismo que nada fica a dever ao Bolsonarismo? O Lulismo e o PT mataram na fonte todas vozes da militância que poderiam representar um bafo de ar fresco em prol da figura de salvador de Lula, como dizem por aí, o PT precisa descer do salto e sair dos apartamentos de chão de taco, samambaia e brasilidades no som e voltar a falar a voz do povo, do chão de fábrica, não adiante ter apoio de artistas de esquerda que a maioria da população acha um bando de maconheiros e fora da realidade, não adianta tecer alianças das mais improváveis porque o povo pode ser sonso mas não é burro!

O 'placar' do primeiro turno mostra bem isso, como o Bolsonarismo aprendeu e dialogar diretamente com suas bases e distorcer qualquer possibilidade de previsão porque eles pregam o caos e a desordem, não seguem as regras do jogo - tudo bem, a esquerda também não ainda que pague de isentona - e como o PT parece ter ficado preso no tempo em que bastava Lula abrir a boca para ganhar uma eleição.

Isso ainda é válido, Lula tem um carisma e um apelo inegáveis mas o Brasil mudou, não é mais aquele país que o PT pensava, ele tirou a máscara e mostrou os dentes e o PT não está sabendo como conversar com esse novo Brasil, ainda acredita a cartilha 'social-marxista' se aplica quando ela está mais mofada que fruta ao sol.

Se Lula e PT não caírem na real, existe uma real possibilidade de termos mais quatro anos de Bolsonaro e, sinceramente, acho que até merecemos isso porque esse é o Brasil de fato, não aquele que discutimos nas mesas de bares descolados ao som de Chico e Caetano.

Se Lula vencer, o PT tem o imenso desafio de encontra em quatro anos um nome forte e de consenso porque Lula não tem como aguentar mais quatro anos, seu prazo de validade está expirando e, caso não encontremos um nome, muito provavelmente teremos um dos filhos do mito no governo e isso não sei como conceber ou cogitar...

29 de set. de 2022

quem vai nos salvar dos tiktokers?

Velho. Chato. Amargo. Ranzinza. Morto.

Adjetivo: que serve para modificar um substantivo, acrescentando uma qualidade, uma extensão ou uma quantidade àquilo que ele nomeia (diz-se de palavra, locução, oração, pronome).

Adjetivar é um hábito humano desde que aprendemos a desenhar nas paredes de cavernas e descobrimos a comunicação, a comunicação sem adjetivos inexiste, o problemas é que nos tornamos criaturas adjetivas e nunca mais usamos substantivos.

Ficamos tentando entender como pudemos eleger um mito, fácil saber! Qual surpresa em ter um demente na presidência num país que idolatra personalidades da internet e suas dancinhas e opiniões de cinco minutos? Sim, somos nós os culpados! Deixamos de lado a veracidade dos fatos para seguir correntes de whatsapp e likes do insta, se está na rede então deve ser verdade e não tem problema não verificar afinal, quem está postando tem mais de um milhão de seguidores!

Somos a raça digital por excelência, alguns se perguntam de vamos migrar nossas consciências para o meio digital, já o fizemos! Basta ver que todos nós não existimos no mundo real se não existirmos no digital. Não conhecemos mais uns aos outros mas nossos avatares, postagens e likes, sem isso não somos, não há vida e não há presença.

Deixamos de lado a leitura factual e interpretação, a semiótica das coisas e a discussão por 140 caracteres ou vídeos ilustrativos e ficam todos gritando para obter mais e mais visualizações e curtidas. Não há mais espaço para aprofundar um tema, há apenas efeitos e filtros e produção, quem fizer melhor leva! O que formadores de opinião vendem em seus canais não é clareza ou verdade mas vícios e verdades de um certo ponto de vista o que nos isola em grupos e fomenta cada vez mais a polarização e a divisão.

Preferimos ver dancinhas e reels do que entender que nossas vidas estão indo pelo ralo enquanto as celebridades e influencers gastam milhões para manter o cabresto, ao venderem um estilo de vida fazem da gente escravos que irão batalhar incansavelmente para conseguir aquilo até que, ao conseguirmos, eles estarão em outro nível e teremos de começar tudo de novo.

Damos mais atenção a shows de realidade e celebridades digitais do que pessoas de fato, essas que vivem e morrem sabe? Essa mentira vendida como se fosse creme divino, essa pose toda que não garante um prato cheio, estamos esvaziando nossas panelas para manter a deles sempre cheia e quem paga a conta no final somos nós.

Antes, éramos estúpidos restritos apenas a nossa bolha de ignorância e ainda havia alguma chance de sairmos dela mas hoje, estamos todos imbecilizados e incapazes de tirar o nariz de nossos celulares, a estupidez virou mercadoria e valiosa! A ignorância virou moda e oportunidade, ser imbecil é algo bom e a frivolidade aceita como coisa boa, vestida de moda ou onde cultural, ganhou ares de conceito e arte e prospera forte em todos os meios sem medo de ser obscura.

Acreditamos mais nos tiktokers do que na igreja e uns nos outros, se um deles disser que precisamos matar alguém, faremos de bom grade e com um sorriso no rosto, a internet sempre sabe o que faz. Temos mais fé nos ex-bbb-fazenda-masterchef do que em nós mesmos, estamos tão descrentes de nós mesmo que precisamos de pessoas que ganham competições para entendermos que temos valor e pautar nossas vidas por elas, estamos imersos em um QR code que nunca vai terminar e estamos felizes!

Deixamos a realidade de lado e estamos plenos vivendo de sonhos feitos de chips molhados e processadores saturados, queremos o fácil, o simples, o imediato porque o amanhã não existe, é uma invenção do hoje e o passado é velho e não se usa mais, viramos seres minuto, humanos do segundo, pessoas do se não for agora não presta, viramos uma pasta amorfa que não alimenta ninguém.

O agora está morto. Longa vida ao agora!


28 de set. de 2022

o pior de nós

Não é preciso ir muito longe na rede para encontrar casos de violência, racismo, homofobia, machismo e tudo mais que representa o que há de pior em nós como sociedade.

Chega a ser alarmante a quantidade casos que brotam do chão todos os dias, faz com que a gente pense o que aconteceu? Onde erramos? Como pode?

Bom, lamento dizer mas pode sim e é bem fácil de explicar.

Passamos muito tempo com a cabeça enterrada na areia acreditando na mentira do Brasil diverso, inclusivo, miscigenado, sincrético, país de gente feliz e pacífica, que mentira!

Éramos uma panela de pressão, cheia e que vinha cozinhando há mais de 500 anos, já não era sem tempo explodir. O Brasil dos últimos quatro anos é o Brasil de fato! Essa é a cara do brasileiro, não aquela dos cartões postais.

O brasileiro de verdade nunca saiu da casa grande e segue achando o país sua grande senzala, estamos em 2022 mas mentalmente, mal saímos do colonialismos e seguimos repetindo os mesmo comportamentos de nossos descobridores, sem tirar nem por. O brasileiro aprendeu desde cedo a ser mentiroso e evitar conflitos, é o cara que sai das situações com lábia e jeitinho, se dá para resolver com um churrasco e uma breja, então tudo bem!

Nunca paramos para discutir nossos fantasmas, preferimos fazer deles enredo e música e carnaval o que não está errado mas não resolve a questão. Nunca fomos uma nação pacífica, como podemos ser uma nação de paz se construímos tudo isso e seguimos construindo tudo isso em cima de cadáveres? A diferença é que no período colonial fazíamos isso de forma consciente com a benção da igreja ansiosa por salvar almas e todo um aparato ideológico que justificava as atrocidades como progresso. Hoje, simplesmente fazemos de contra que não existe mais mas usamos as mesmas ferramentas de antes com o agravante de que preferimos fazer vista grossa.

Nunca saímos da colônia, essa é a verdade. Enquanto o mundo girava, seguíamos pensando da mesma forma, só aprendemos a disfarçar melhor, somos um país de mentirosos patológicos e, se há algo de bom que Bolsonaro fez, foi acabar com essa mentira safada e deixar tudo em pratos limpos.

Bolsonaro é sim a cara do Brasil. Senhor de engenho, coronel, o tio do pavê, essas pessoas que estão aí hoje não surgiram do nada, elas sempre estiveram aí só mentiam muito bem, eram nossos pais, mães, tios e tias, amigos e amigas, colegas de trabalho, vizinhos. Eram pessoas que em nossa frente riam, abraçavam, beijavam mas que, por dentro, queriam mesmo nos ver mortos, isolados, sem direitos, marginais e sem voz.

Pessoas que sempre estiveram conosco, desde 1500, só mudaram de nome e endereço mas seguem fielmente a cartilha do colonialismo e, com Bolsonaro, viram sua voz ganhar as ruas e finalmente podem sentir-se à vontade para cometer suas barbaridades sem medo afinal, se o mais alto mandatário aceita então qual o mal e replicar?

Acho que deveríamos ter duas independências, a original e outra por termos finalmente descoberto a face horrendo do cidadão brasileiro, levaremos um bom tempo para nos ajustar e arrumar isso se é que vamos conseguir, essa ferida estava infeccionada há séculos mas só agora arrancamos o curativo e começamos a tratar, talvez haja uma chance e não seja preciso a eutanásia, cedo para dizer mas pelo menos sabemos que estamos doentes o que já é um começo.

Resta saber se teremos a capacidade de cura ou vamos preferir deixar que tudo gangrene e apodreça...

27 de set. de 2022

a necessidade que não é necessária

Já me perguntaram inúmeras vezes porque escrevo, o que motiva, qual o ímpeto, qual a razão, enfim, aquelas perguntas de sempre o que é normal, para quem está de fora, escrever parece algo mágico quase sobrenatural.

Não sei bem se acredito em dons ou bênçãos, algo do tipo 'você nasceu com esse dom' mas, pode até ser, porque não? Se há algo divino ou sobre ou super natural no ato em si, desconheço mas sei que escrever está em mim desde muito cedo assim como acho que está em todos que escrevem salvo raras exceções que podem não escrever por natureza mas por esforço o que também vale afinal, o que importa é escrever, se é bom ou não tem muita gente aí para dar um parecer.

Escrever pode ser um hobby como pode ser uma profissão como pode ser destino, praga, martírio, horror, gozo, trabalho, enfim, uma série de coisas dependendo de como você encara a profissão de fé mas, escrever é uma necessidade, ao menos para mim. Há uma urgência, uma fome, um desejo de expressar que, imagino eu, todo mundo que trabalha com algum tipo de arte, tem.

A coisa começa a ficar problemática quando tentamos associar essa produção com sucesso, reconhecimento e afirmação, coisas distintas mas relacionadas.

Hoje, com a internet e redes sociais e dancinhas e vídeos e reels, todo mundo quer e consegue sua tão merecida fama de 15 ou mais minutos mas essa é uma droga poderosa, vicia mais que crack e quando não conseguimos, vem a abstinência.

Não sou hipócrita, obviamente desejo sucesso e reconhecimento, quem não? Viver constantemente em busca disso, não. Houve um tempo em que sim, buscava muito e incansável mas, numa sociedade que pouco valoriza a leitura e arte de forma geral, as janelas de oportunidade são poucas e muitas vezes, de cartas marcadas.

Ah! Lá vem o amargo e rancoroso! Vocês podem dizer mas é a mais pura verdade, a literatura por si é bela e me proporcionou alegrias não há como negar, ao mesmo tempo, pude ver sua outra face horrenda cheia de dentes, aparências e contradições o que é normal, todo ambiente é assim pois é feito de pessoas e pessoas são complicadas e cheias de falhas então, nada demais que seus ambientes também o sejam.

Abri mão disso para viver em paz comigo mesmo, quero prêmios e sucesso? Sim! Quero isso a qualquer custo? Não. E para quem disser que é mentira, tudo bem, seu direito não acreditar e pensar que eu não lido bem com o sucesso alheio o que, se me permitem, afirmo ser totalmente falso.

Num país que trata cultura e livro como crime, qualquer um de nós que ultrapasse a barreira merece meu apoio e abraço, fico extremamente feliz quando vejo amigos escritores conseguindo reconhecimento, uma parte de mim vai junto e não me sinto esquecido, menosprezado ou preterido por isso.

Creio que a ideia central aqui seja fazer primeiro para si e depois para os outros e não aguardar uma grande chance que pode jamais vir, ser realista e parar com o complexo de coitado, não aconteceu? Tudo bem! Deixe estar! Mais importante do que ser laureado é ser lido e ter deixado de alguma forma sua marcar mesmo que seja mínima.

A alternativa pode ser frustrante e decepcionante e o preço a ser pago, alto demais.

26 de set. de 2022

positivo/negativo

 


É horrível que estejamos nas vésperas de uma eleição e que, ao invés de discutir temas importantes para nosso futuro, estejamos é discutindo mitos, messias e salvadores da pátria e incapazes de conciliar nossas diferenças ou sequer abertos para uma possibilidade de diálogo sobre questões que mexem profundamente com nosso cotidiano atual e futuro.

Triste termos de escolher o menor entre dois males ainda que, obviamente, um deles seja 'o mal' personificado e o outro seja apenas não tão ruim.

Ainda que o atual mandatário represente tudo que de pior existe em nós como sociedade e flerte abertamente com um autoritarismo em voga no mundo, a alternativa a ele é apenas um reflexo à esquerda ainda que, como disse, na atual conjuntura, seja melhor que mais quatro anos de barbárie.

A questão é sermos reféns de duas opções que pouco trazem algo de novo, um ar mais fresco e ideias mais novas, vamos votar num para não deixar o outro vencer e isso é péssimo! Mostra o quanto estamos perdidos enquanto sociedade e como a política deixou de ser algo importante em nossas vidas para virar apenas uma imensa briga de condomínio.

Quem segue e vota em Lula (eu incluso) padece do mesmo messianismo que inflama o Bolsonarismo, podemos negar e dizer e jamais mas é, aceitemos que também tratamos Lula como mito, messias e salvador, a diferença é que ele, para nós, é o verdadeiro messias enquanto o outro é o anticristo, é uma linha muito tênue que separa os dois e não em termos de ideologia ou consciência social e de classe mas em termos de seguir cegamente e idolatrar a pessoa e o que ela representa e não sua atual capacidade de tratar o país com seriedade e respeito.

O messianismo de Lula foi a gênese do messianismo de Bolsonaro, ficamos aqui nos perguntando de onde saiu esse ser, como pode ter acontecido isso e outras questões afins e a resposta é muito simples: fomos nós!

Passamos quase duas décadas cultuando uma figura, uma ideia, removemos do plano terreno e colocamos num panteão com incensos e cânticos e isso, na política, é extremamente perigoso. Acreditamos que havíamos salvado o Brasil e que seriam apenas anos de rosas e vinhos mas, o outro lado aprendeu a fabricar mitos e lendas e não nos demos conta de que o Brasil é uma ilha de boas intenções rodeada de Bolsonaros por todos os lados.

Nós criamos Bolsonaro, simples assim. Ao não darmos atenção aos sinais de culto que o petismo e o lulismo viraram demos de mão beijada o caminho para a extrema direita empossar seu messias e agora ficamos pasmos sem entender e ainda assim não aprendemos pois vamos novamente ter de escolher entre dois messias, oxalá mais a frente aprendamos que presidente da república não deve ser messias mas apenas competente.

Vou votar 13 porque não posso conceber mais quatro anos de 22 mas, desejo ardentemente que ele não se candidate e que outra pessoa tome rédeas e que seja alguém novo e longe dos extremos para tentarmos começar a curar as feridas que seguem inflamadas. Precisamos de políticos com ideias, determinados e comprometidos com pautas humanitárias e sociais e não pais, mães ou ídolos, precisamos parar de tratar um prestador de serviços públicos como santo e salvador e encarar que a era do messianismo tem de acabar o quanto antes.

Precisamos nos livrar dos Lulas e Bolsonaros, precisamos parar de tratar a política como campo de salvação e passar a tratar dela como campo de mediação e discussão e qualquer messianismo não dá conta disso pois é por demais centrado em sua figura central e não no grupo que o segue, quem segue messias está fadado e cometer erros crassos e depois chorar a perda da razão, entregar nossas ideias e ideais a um salvador é morte certa porque não existem salvadores que não sejam nós mesmos.

A era dos messias precisa acabar, precisamos crescer e aprender que não somos mais crianças, parar de fazer birra e assumir que a responsabilidade pelas coisas e pelo país é nossa e não deles, parar de discutir esquerda e direita e entender que depois da eleição tanto faz qual lado porque, no final das contas, quem paga a conta somos todos nós independente de qual lado estejamos.

Que em quatro anos não estejamos elegendo santos mas pessoas.


12 de mai. de 2022

discurso pronto para um dia incerto

Dialogar com fascista é jogar xadrez com pombos, sabemos, mas nesse tabuleiro, as peças estão desiguais e tem vontade própria e as regras mudam a todo instante.

Um dos grandes fatores que nos fez a raça dominante nesse pálido ponto azul é fato de termos aprendido a trabalhar em grupo e é exatamente o que estamos perdendo/desaprendendo. Com o distanciamento promovido pela polarização e incapacidade de diálogo, estamos cada vez mais fechados em nós mesmo ou em grupos que apenas ecoam o que pensamos.

Esse fechamento, ainda que benéfico para manter a saúde física e mental, mata aos poucos o que nos faz únicos, a troca de ideias e pensamentos, ao nos colocarmos em opostos irreconciliáveis afastamos essa dinâmica e sequer cogitamos a possibilidade de discutir qualquer coisa que vá mesmo que de leve na direção contrária do que pensamos.

E isso ocorre de forma geral, não é 'privilégio' da esquerda, direita ou seja lá o que for. Obviamente que não podemos corroborar ou tentar dialogar com discursos ou ideias que promovam o ódio ou preconceito mas, tanto a cultura do conservadorismo com suas regras de exceção como a cultura do cancelamento, válida em alguns casos, acabam trazendo efeitos colaterais terríveis.

Julgamos sem conhecer o todo dos fatos, tendo apenas um lado da história, condenamos sem dar o benefício da dúvida, a internet e réu, advogado, juiz e júri e invariavelmente imperdoável, não cabe recurso e jamais esquece.

Condenamos as fake news mas somos os primeiros a repassar sem antes verificar, validar e termos certeza, o dedo like é mais rápido que a mente lerda, o mundo digital evoluiu mais rápido que nossos cérebros que ainda são analógicos e assim, vamos cancelando uns aos outros sem dó ou piedade.

Apontar desigualdades, crimes e preconceitos é um dever nosso e as redes tornam isso mais fácil e com alcance imediato, se antes tais horrores ficavam restritos a esfera pessoal ou de um grupo pequeno, agora viraliza e ganha o mundo em segundos e, como disse, isso é perigoso, perdemos o senso ético, o racional, a razão e a lógica impulsionados pelo desejo de sermos os primeiros a compartilhar, denunciar e fazer parte da patrulha alerta que está sempre de celular em mãos.

Repito que isso é sim benéfico pois abusos e violências não passam mais despercebidos mas, se não dermos um passo atrás e pensarmos cautelosamente antes de sair compartilhando tudo, estamos incorrendo num erro grotesco que rouba de nós o que nos faz humanos, tira nossa empatia e apenas fomenta o pior de nós e nunca está satisfeito, quer sempre mais e mais.

Antes de cancelarmos uns aos outros, expormos uns aos outros, condenarmos uns aos outros deveríamos tentar entender o contexto, a situação, os motivos, os sentimentos e volto a dizer que isso não abona ou justifica os comportamentos abjetos de racistas e afins mas, tomando a parte pelo todo acabamos colocando tudo no mesmo balaio e depois é bem complicado saber quem é o que.

Parece besteira não? Mas lembremos do caso da Escola Base em 1994 (Google it!). Os donos foram acusados de molestar as crianças, promoverem orgias e até mesmo entregarem as crianças para sexo com outras pessoas.

A mídia fez uma cobertura totalmente parcial agindo como juiz e júri e condenando de antemão os proprietários e a polícia fez uma investigação pouco elogiosa e totalmente tendenciosa porque eram crianças. O caso tomou proporções nacionais e o clamor por justiça falou mais alto do que o bom senso, os proprietários foram presos, perderam tudo e suas vidas viraram um inferno.

Três meses depois todos foram inocentados mas o estrago já estava feito. Dos proprietários, alguns já faleceram sem terem retomado sua vida e com a marca de abusadores, os sobreviventes seguem com suas vidas destruídas e tentando mesmo depois de tantos anos, buscar algum tipo de compensação ou justiça porque ainda seguem marcados mesmo inocentes.

Pense então muito bem antes de fazer seu próximo cancelamento...

11 de mai. de 2022

vida que segue...

a vida é um tipo de prato que a gente só descobre que gosta quando acabou e não tem mais pra servir. semanas atrás ela perdeu alguém e eu senti. a gente só dá pela falta quando acaba, tarde demais, aí vem uma série de arrependimentos que vão devorando a gente feito bicho faminto mas depois passa e você volta a viver e isso é ruim porque a vida não é mais a mesma, ela não tem mais uma pessoa e isso não deveria ser normal.

a gente se pergunta quando vai ser gente. quando vai ser isso, quando. a gente não sabe e não quer saber mas a gente sabe que vai ser. a gente chora na hora mas depois volta e faz tudo meio diferente e depois volta a fazer igual. triste. não pode ser só isso. passa tão rápido e tão sem sentido. a gente precisa mais.

estar mais com as pessoas. estar mais com os amores. gozar mais. sair mais. beber mais. ler mais. ver mais. ouvir mais. correr mais. parar mais. sentir mais. brigar mais. beijar mais. chupar mais. comer mais. abraçar mais. chorar mais. rir mais. escrever mais. sonhar mais. estar mais. 

quando acabar tudo vai ser menos...

10 de mai. de 2022

quem tem medo das gays?

 


Um político reaça escroto, misógino, que não goza e não quer que outros gozem, fechou o MUSEU DA DIVERSIDADE.

Não vou citar nome pra não dar palanque para esse tipo de lixo mas, não é de surpreender afinal, no Brasil Pátria Amada de hoje, ser bixa ou qualquer outra letra que nos identifique é crime inafiançável e motivo para perseguição e humilhação.

Não que antes não fosse mas agora, com a chancela do miliciano e sua família, pode descer a lenha nas gays afinal, quer ser bixa vá ser no seu canto sem pedir direitos ou usar o dinheiro público para pouca vergonha como se as bixas não pagassem impostos também ou não fossem portadoras de RG e CPF.

O apagamento nosso é desde sempre e não restrito ao Brazil, todos sabemos porque sempre fomos jogados para a margem quando não simplesmente erradicados do mundo feito algum tipo de praga então, fechar um museu que fale de nossa história e memória não é novidade, a memória é heterossexual, religiosa e do bem, bixa não pode ter memória, só uma vaga lembrança, não precisa de museu porque bixa não te história, só doença e vergonha e ameaça as criancinhas com suas ideologias.

Mas vai ser difícil nos apagar porque sem nós, vocês não teriam muita coisa. Não teriam um senso de liberdade inovador, não teriam liberdade sexual, não teriam computadores, não teriam livros, não teriam arte, não teriam história, não gozariam porque a gente sabe você pai de família adora sair com as bixas para dar vazão aos seus desejos mais recônditos, não teriam humor, não teriam cores, não teriam palavras, não teriam feriado, não teriam moda, não teriam serviços essenciais porque sim, as bixas estão lá, não teriam modelos, não teriam graça, não teriam vida.

Vocês podem fechar o nosso museu mas JAMAIS fecharão a nossa MEMÓRIA!

PS: Mas de tudo isso, o que dói mais é saber que muitos de nós não valorizam e não reconhecem a nossa história então, procure conhecer! Se hoje temos alguns direitos é devido a gigantes que do alto de seus temores desafiaram o status quo para que estejamos onde estamos, eles estão aqui ainda, alguns, outros só pelos livros, estude sua história!)

9 de mai. de 2022

o bobo

 


Triste ver como, enquanto nação, caímos num esquecimento, párias mundiais ao lado de tantos outros regimes de extrema direita vistos com maus olhos pela comunidade internacional devido aos seguidos desmandos e barbaridades sem fim.

A reputação nossa de nação mediadora e de peso no cenário internacional mesmo não pertencendo ao seleto clube dos podres de ricos foi ralo abaixo sob a batuta de pátria, família e deus e vai levar um tempo para voltarmos a recuperar isso mesmo que tenhamos outro sentado lá no planalto.

O estrago feito em quatro anos foi terrível e imenso, instaurada a ditadura fálica o país vive sob a égide do estupro social, da família de bem e do atira primeiro e pergunta depois. No Brazil atual o que importa não é igualdade mas mérito, não é você que pobre, é você que não se esforça, não é você que é bixa, é você que precisa ser bixa mas dentro de casa, não é você que fuma crack, é você que é vagabundo, deus ajuda quem cedo madruga e quem sai pra bater em travesti e matar viado.

O isolamento não é apenas mundial mas territorial, estamos isolados de todos, incapazes de quebrar a barreira de mentiras e narrativa disforme que impregnou a todos e concluir que não é matando a bixa que o pai de família vai por comida na mesa, não é matando o ladrão que o cidadão de bem vai ter mais segurança, não é armando a pessoa que ela vai aprender a se defender, não é cortando o acesso que as pessoas vão parar de acessar.

O véu conservador desceu pesado e não serão todos que serão capazes de tirá-lo em Outubro porque ele adere na pele feito cola, tem gente que vai preferir morrer do que ter algum tipo de justiça social novamente, tem gente que vai preferir matar do que ter um presidente que promova um pouco mais de igualdade, tem gente que vai acreditar piamente nas mentiras porque elas foram ditas por tanto tempo que agora são verdades.

Tem gente que prefere assim...

28 de abr. de 2022

o grande i(r)mão

Reality Shows viraram um fonte de entretenimento e principalmente grana para emissoras de TV e streaming, é impressionante a quantidade e variedade de shows desse tipo desde o consagrado BBB até shows dedicados e podólogos, cirurgias plásticas, obesidade, compras, leilões e por aí vai, pensa numa categoria, certamente haverá um show dedicado a ela.

A realidade da televisão é muito mais atraente que a das ruas e, através delas, demonstramos nossos gostos, preferências, insatisfações, desejos, medos e tudo mais, não ficaria admirado se dentro de mais alguns anos ou décadas ao invés de escolhermos nossos governantes e representantes pelo voto, o fizermos por um desses shows, trancamos os candidatos dentro de um casa e o vencedor será eleito presidente, parece loucura mas acho bem plausível e, de certa maneira, talvez melhor do que urna, pensem bem, isolar os candidatos sem apoio de suas equipes, pesquisas e mídias, veríamos bem como cada um deles é na verdade.

O problema desse tipo de entretenimento que, pessoalmente, acho tóxico, nocivo e totalmente preparado para apresentar resultados desejados, é tratar a realidade como algo maleável e não multifacetado, encerrar atrás de uma câmera um tipo de realidade que vai longe do que temos aqui fora.

Da mesma forma, formadores de opinião e influenciadores (talvez a pior invenção da internet) da era digital tratam, salvo algumas poucas exceções, temas espinhosos com a profundidade de uma poça d'água quando não são tendenciosos seja por desconhecimento das questões abordadas ou por serem paus mandados do establishment.

Tanto estes como seus parentes da TV padecem desses males e são apenas sintomas de uma patologia mais profunda resultante do avanço do conservadorismo e da polarização irreversível que vivemos. Através desses programas podemos dar vazão ao pior de nós sem, algumas vezes, sermos associados a assuntos ou ideias pouco elogiosas afinal, ficamos diluídos no meio de tantos outros opinando mas, esses programas deixam claro qual caminho a sociedade está seguindo vide a final do BBB atual onde apenas homens permanecem e o mais cotado para vencer é um homem, cis, branco e certamente Bolsonarista.

O grande trunfo do Bolsonarismo foi se inserir nessas brechas e delas fazer pequenos mundos onde a única realidade que vale é a deles, qualquer outra é execrada e vetada. Os influenciadores que flertam, intencionalmente ou não, como ideias de extrema direita acham nesses mundos terreno fértil e seguro para seguir com suas barbaridades sob o manto da liberdade de expressão e, sob o manto de perseguidos, alardear ainda mais suas ideias descabidas.

Se antes Reality Shows eram diversão inócua para esvaziar a mente, hoje são pequenas bastilhas de ideias pútridas e da extrema direita porque não promovem discussões efetivas mas a pasteurização de temas delicados tratados, assim como seus colegas de outras redes, com a relevância de um like.

Há exceções? Claro! Mas são poucas porque não adianta fazer um podcast de duas horas e meia para falar de política para toda uma geração que mal suporta consumir 140 caracteres e foi criada com o shuffle ligado, enquanto não tivermos uma linguagem mais assertiva e direta para explicar essas coisas o Bolsonarismo e seus seguidores estarão na vantagem pois ele dominam a narrativa, mesmo que ela não possua conteúdo, ela atinge seu público e fala exatamente do jeito que eles esperam, não adianta a esquerda bater nas teclas que todos já sabem porque os de fora não estão propensos a ouvir.

O fato é que estamos criando pessoas incapazes de se aprofundar em qualquer assunto, reféns de formadores de opinião que não tem opinião ou apenas ecoam opiniões que ouviram falar, quem promove discussão ou entendimento é chato ou esquerdista porque a realidade deve ser igual a da TV e não complexa como é.

27 de abr. de 2022

a evolução das espécies

Já fui um chato musical, humor ácido, fel puro para tudo que não fosse compatível com meu gosto musical ou com aqueles que nunca houvessem ouvida falar de bandas e artistas clássicos que eu e tantos outros julgam como Deuses intocáveis e que devem ser reverenciados, qualquer coisa fora disso deve ser execrada e vista com maus olhos e isso não apenas na música mas na literatura também, melhor falar mal e apontar o dedo porque certas obras nunca deveriam ter visto a luz do dia.

Mas, mudei talvez radicalmente de postura, amadurecimento? Não sei, pode ser.

Ficar preso no passado é algo perigoso, acreditar que apenas esse ou aquele estilo musical, esta ou aquela obra tenham valor porque são inovadores, provocantes e fazem jus em ingressar num panteão seleto é algo pior ainda, quando deixamos que nossos gostos pessoais atuam como ofensores quem sai perdendo somos todos nós e não apenas quem produziu aquela peça de arte.

Arte e cultura não artigos seletivos ou elitistas, são meios de expressão de uma sociedade e de sua cultura, não adianta torcer o nariz e dizer que na sua época sim é que era feita música boa e que este ou aquele livro é um lixo ou nunca deveria ser publicado, ao diminuir e desmerecer quem produz arte estamos fazendo favor a quem está empenhado em destruir nossa cultura, estamos deixando o jogo deles muito mais fácil ao nos dividirmos usando gosto, crítica ou bom senso como parâmetros de avaliação.

Arte, cultura, música e livros são coisas muito pessoais, lidam com nossas emoções e sentimentos de formas que ainda não entendemos direito, podemos todos ouvir a mesma música, ver o mesmo filme e ler o mesmo livro e certamente teremos opiniões distintas porque eles irão mexer com nossa individualidade de formas totalmente diferentes, não somos todos iguais então, as experiências de cada um ao entrar em contato com a arte e cultura serão também distintas e isso não é uma coisa ruim.

Então, antes de falar mal do funk, pensar no que ele representa para que o ouve, como ele atua na formação de identidades e retratar a realidade de muita gente; antes de falar mal do sertanejo pense a mesma coisa e por aí vai. Precisamos para de forçar nossas opiniões e gostos, se algo não nos agrada não significa que não tenha valor e seja ruim pois terá valor para outra pessoa e poderá dizer e representar muito para ela.

Estipular uma norma pela qual a arte a cultura devem ser produzidos ou consumidos é elitizar e restringir o acesso de muitas pessoas e pior, é desmerecer tais manifestações por não irem de encontro com normas cultas e/ou academicismos, é dizer que uma parte da arte e da cultura são boas enquanto o resto é lixo e, sinceramente, a importância de uma obra de Van Gogh ou de um disco dos Racionais é a mesma ainda que você possa ficar horrorizado ao ler isso. A única (se houver alguma) diferença é o contexto histórico de cada uma mas em termos se representação e sensibilidade quem pode julgar sua relevância? Porque uma pessoa não sabe interpretar uma tela de Van Gogh ela deve ser considerada menos apta culturalmente? Por ouvir rap ou funk uma pessoa pode ser considerada mais ou menos capaz de discutir arte e cultura?

Manifestações artísticas devem refletir o tempo em que estão inseridas, devem atender os anseios de quem vive e não de quem já morreu, arte e cultura que se dediquem a perpetuar o passado estão fadadas a sumir ou serem apenas casos de estudo acadêmico. Se a música hoje morreu para uma parte das pessoas, ela segue viva e bem para outra parte, dizer que no seu tempo era melhor pode até ser verdade para você mas não desmerece o que está sendo produzido agora porque está sendo feito para quem vive hoje e não há dez, vinte ou trinta anos ainda que as referências sejam, às vezes, evidentes.

O mesmo se aplica a literatura.

Livros dialogam conosco ainda mais intimamente então, é difícil julgar o que pode ser considerado boa ou má literatura. Porque um livro não me agrada ele deve ser considerado ruim? Porque a crítica especializada assim o disse, um livro deve ser descartado? Quem definir quais os parâmetros de bom ou ruim?

Obviamente que os estudiosos de teoria e crítica literária tem um olhar refinado e preparado para fazer tais separações mas, quem realmente é capaz de dizer ou definir o que é um livro bom ou ruim? Ao detonar um autor e sua obra o que se está ganhando efetivamente? Estaríamos preparando leitores ou apenas elitizando? Se um livro é considerado ruim pela crítica, ele não tem valor para ninguém? Quem define a norma? Se todos devermos ler apenas os laureados, como ficam os outros autores? Devem ser banidos e marginalizados? Eles não tem valor?

Talvez o papel de críticos e afins seja de analisar as obras e quais seus defeitos e apontar onde o autor pode melhorar e não apenas difamar e destruir o sonho de alguém matando pela raiz algo que poderia render frutos bem interessantes. Ao escolher diminuir ou destruir essas expressões em seu berço, estamos apenas reforçando um comportamento elitista e de privilégios, não seria melhor a abstenção ou outro meio de crítica?

Oras, diria você, mas aí ficaria difícil separar o joio do trigo e muita coisa ruim ganharia reconhecimento. Voltamos a questão 'per se', quem define o que é bom ou ruim? Eu? Você? E se o que é bom para você for ruim para mim e vice-versa? Quem vai bater esse martelo? Quem vai arbitrar essa questão?

Talvez o melhor caminho seja simplesmente dizer que esta ou aquela música, este ou aquele livro, este ou aquele filme não me agradam porque não foram capazes de dialogar comigo, provocar uma reação, inflamar, estremecer e isso é normal! É impossível esperar que manifestações culturais e artísticas afetem a todos do mesmo jeito, o que precisamos entender, praticar, é o respeito e empatia pela experiência do outro porque ela, assim como a nossa, é única!

26 de abr. de 2022

O contador de histórias

Todo mundo adora uma boa história, se for bem contada então ainda melhor.

Não é a toa que a história, de forma geral, acaba sendo contada por quem vence grandes batalhas ou por quem sabe contar melhor o seu lado dos fatos ou seja, quem controla a narrativa, controla a história.

Não é preciso ir muito longe para comprovar isso, basta dar uma olhada na Rússia de Stálin, China de Mao, Alemanha de Hitler e, porque não, Brasil de hoje.

A melhor maneira de fazer com que as pessoas acreditem em algo é controlar a narrativa, fazer com que apenas o seu lado da história seja levado a sério e tomado como verdade incontestável, deixemos de lado debate, argumentos ou análise, confie no que estou dizendo, eu sei do que falo e posso provar mesmo que essas provas sejam estapafúrdias.

O controle da narrativa não acontece da noite para o dia, nem Jesus conseguiu isso que dirá presidentes e afins. Isso ocorrer de forma lentar e persistente, é um trabalho dedicado feito mais simples pela agilidade e pouca veracidade das redes sociais; antes, se você quisesses saber se algo era verídico ou não, teria de se debruçar sobre o assunto, ler vários jornais, análises, discutir até chegar em alguma conclusão enquanto hoje, se está no Google ou aquele youtuber ou influencer falou com certeza deve ser verdade, não é preciso se dar ao trabalho de analisar, a informação já vem pronta e sem abertura para contestação, aquilo é uma verdade e você não precisa se preocupar em analisar porque isso já foi feito para você, apenas ouça e aceite.

O Bolsonarismo aprendeu essa lição muito bem e está muito na frente enquanto a esquerda segue tentando entender como fazer isso. Desde antes de assumirem o poder, os Bolsonaristas já utilizavam a posse da narrativa como seu meio de consolidar suas ideias e planos e, mesmo quando questionados, jamais deixaram a narrativa sumir ou mudar e, no final das contas, a mentira contada mil vezes acaba virando verdade.

Através da construção de uma narrativa única e que não admite contestações, o Bolsonarimos criou raízes que não podem mais ser arrancadas, em torno de um projeto de governo e país embasado em valores nacionalistas, tradicionais e religiosos, ele se ergueu feito colosso e farol para todos que não acreditavam mais numa sociedade justa e que preferem a meritocracia ao invés de igualdade e que, convenhamos, é a cara do brasileiro médio.

O controle da narrativa está cimentado, vejam como as redes sociais Bolsonaristas não perdem tempo em contestar quaisquer fatos ou acontecimentos com outras versões dos fatos sempre citando a liberdade de expressão, opinião e de que são perseguidos por expressarem seus ideais, não há comprovação, não há argumento apenas o discurso de que são perseguidos sem informar de que fazem o mesmo ou, quando confrontados com provas irrefutáveis, usam as mesmas desculpas, foi tirado de contexto, não deixaram margem para explicação e se vitimizam apontando o dedo para a patrulha ideológica.

Bolsonaro e seus seguidores assumem esse tom messiânico em suas narrativas, não existe contexto aplicável, não existe debate de ideias, apenas as mesmas histórias contadas com palavras diferentes e não importa se não correspondem aos fatos porque estes precisam dobrar-se a narrativa e não o oposto. Então pouco importa se eles defendem a tortura, se defendem o preconceito, o racismo, o machismo ou qualquer outra barbaridade, dentro da narrativa Bolsonarista isso não importa porque não são os fatos que importam mas a narrativa e ela está sob controle.

Não seria de espantar que esse controle fique ainda mais ferrenho com a proximidade das eleições e muito pior num eventual segunda mandato o qual, se vier, talvez a história que será estudada no futuro seja bem diferente da que conhecemos afinal, o que seria mudar a história para quem a está escrevendo?

25 de abr. de 2022

O horror na porta de casa

Existe uma possibilidade de termos um segundo mandato de Bolsonaro mesmo com todas as pesquisas indicando que sua reeleição seja muito incerta. Além de controlar a máquina estatal, ele detém a narrativa por mais absurda que seja ante os fatos, quem o segue não está preocupado com a veracidade dos fatos ou perigo às instituições e democracia, acredita piamente no capitão e vive em uma realidade paralela onde apenas o que ele diz é verdade inconteste.

Se um primeiro mandato serviu de abre-alas para o governo conservador e extremista, um segunda mandato lhe dará uma abertura sem precedentes para consolidar a autocracia tão sonhada e, porque não, dobrando a lei e instituições a seu bel prazer, perpetuar-se no poder seja através de um golpe rasgado (pouco provável mas não impossível) ou da eleição de alguém pode ele indicado que dê continuidade ao plano de limpar o país da corja ideológica comunista.

O projeto de poder Bolsonarista plantou sementes fortes neste primeiro mandato, aparelhou os órgãos governamentais e afins para atendessem ao plano messiânico da família miliciana barrando quaisquer possibilidades de aferição ou apuração de desvios ou má conduta restando apenas a judicialalização do Estado para tentar bloquear os exageros absolutistas do messias, não se trata de um Estado sujeito aos desmandos da mais alta corte mas esta tapando buracos feitos pelo governo na tentativa de desestabilizar as estruturas e tomar o resto que lhe falta para consolidar seu poder.

Num eventual segundo mandato, Bolsonaro poderá aumentar sua influência no judiciário e, com respaldo das urnas, passar a próxima fase de seu plano nefasto banindo por completo qualquer frente ideológica, política, cultural ou social que lhe faça oposição alegando agira dentro da lei e no melhor interessa da nação como fez ao perdoar seu fiel escudeiro semana passada.

Mas, o risco maior de um segunda mandato recai sobre a normalização do Bolsonarismo e seu líder, não se trata apenas de pregar para os convertidos, coisa que mesmo a esquerda parece não saber até hoje fazer mas, tanto já xingamos, falamos mal, memes, panelaços, tanto já foi atribuído ao governo Bolsonaro e a ele mesmo através de seus mandos e desmandos, falas e fake news que nada mais o amedronta, nada mais cola e assim, ele se sente livre para fazer cada vez pior já que não há qualquer previsão de penalidade a curto prazo, em qualquer outra democracia que se preze, ele já teria sido deposto mas, aqui, estamos jogando pôquer com o demônio que é sempre matreiro, Boslsonaro não apenas dá as cartas como regula as apostas e rouba descaradamente sem que ninguém reclame.

O Bolsonarismo vive em uma realidade paralela onde as leis da física trabalham de forma distinta, ele constrói a narrativa e se apega a ela de forma ferrenha difamando quem se atreve a contestar seus fatos distorcidos, acusando essas pessoas de não serem patriotas, serem contra o país e desejarem implantar o comunismos vide seu discurso na ONU de um tempo atrás onde afirmou que pegou um país em vias de virar comunista.

Conforme se aproximarem as eleições, esse discurso vai ganhar mais e mais força, os ataques serão mais baixos e sangrentos e não ficaria impressionado se ele mais uma vez forjasse um atentado, todo mundo adora um mártir. Bolsonaro não precisa apresentar plano de governo para ser reeleito, basta seguir com sua estratégia atual e apenas intensificar seu discurso de que está numa cruzada contra o mal, seu eleitorado fará o resto...

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...