31 de jan. de 2020

Isso não é um livro LGBTQ

Como disse na postagem de ontem, se não leu está mais abaixo, tenho com outros dois amigos um podcast sobre literatura LGBTQ chamado ORGULHO CAST - não ouviu? Estamos nas principais plataformas, só conferir, vai lá, você ouve uma penca de podcast não vai ouvir o nosso? Nunca te pedi nada...

Bem, num dos episódios, discutimos o livro de uma autora que não vou citar o nome para não dar mais cartaz a essa pessoa mas ela, mulher cis, hétero, religiosa, casada e com filhos, se dá o título de autora de LGBTQ (sic). O livro em questão tinha por título um apelido do nome composto Carlos Eduardo, faça aí a matemática e descubra, não é difícil, qualquer hétero consegue e se quiser saber minha opinião sobre ele, só procurar no Goodreads ou na Amazon onde deixei meu comentário sobre essa 'obra'.

Voltando.

Você pode perguntar mas um hétero não pode escrever sobre LGBTQ? Isso não é preconceito? Bem, vamos falar sobre lugar de fala, chato né? Você já deve estar cansado de tanto ouvir falar disso mas, veja bem, quem tem mais autoridade e propriedade para falar de temas LGBTQ? Uma comparação brusca mas válida: imagine eu branco, gay, cis resolve escrever sobre o racismo estrutural no Brasil, entendeu? Com qual autoridade eu, uma pessoa branca posso falar sobre racismo? Há pessoas bem mais preparadas para falar disso do que eu e elas devem sim ter seu lugar de fala, não eu.

Isso, entretanto, não me desautoriza a participar do debate desde que com o devido bom senso e respeitando esse lugar de fala que pertence ao outro já que é uma realidade que não me pertence, não vivencio ou entendo. Percebe? Então um hétero pode escrever sobre temas LGBTQ? Claro que pode, e deve!

Neste caso estamos falando de literatura e quanto mais gente tratando de temas LGBTQ, melhor o que, guardadas as proporções, vale para quaisquer outros assuntos que afetam a minorias. O que pega mal e fica ruim é quando o hétero resolve escrever LGBTQ e acha que está fazendo um excelente trabalho mas, na verdade, está sugando o filão LGBTQ em benefício próprio sem acrescentar ou prestar algum serviço relevante a comunidade LGBTQ.

Nos caso desta autora, seu livro de LGBTQ tem muito pouco. Ela escreve o que podemos classificar de 'literatura pornográfica' ou HOT se você prefere anglicismos. Seus personagens são o supra sumo do clichê LGBTQ, estereotipados e refletindo um padrão de LGBTQ que a grande mídia e sociedade conseguem identificar com mais facilidade.

São personagens rasas, trama fraca e rocambolesca, sexo gratuito e ela ainda alega que pesquisou a fundo o tema para falar de relacionamentos abusivos e práticas sexuais pouco 'convencionais'. De certo que sua pesquisa foi feita com base na vasta literatura hétero existente pois escreveu um 'romance LGBTQ' com os personagens mais héteros que já vi além de feminilizar o personagem principal dando aos outros um ar misógino e machista ou seja, além de esculachar com LGBTQ ela também deu rasteira no movimento feminista.

O que se passa nesse caso é que esta senhora, travestida do manto de militância e de que está dando visibilidade aos LGBTQs, descobriu um filão de ouro e está faturando alto e não em cima dos LGBTQ que, creiam, parecem ser a minoria que lê seus livros. A grande maioria de seu público são mulheres heterossexuais, sim, isso mesmo, mulheres hétero que veem na luxúria carnal explícita de seus romances altamente erotizados alguns de seus desejos mais recônditos materializados sem ter a carga de culpa que isso acarreta pois os personagens são gays mas, ledo engano, os personagens gays emulam relacionamentos e práticas sexo-afetivas normativas dos héteros, pouco se aprofunda no cerne da questão de relacionamentos LGBTQ ou seja, ela escreve romances héteros onde todos os personagens são gays, simples assim.

Qualquer gay que se diga ou sinta parte da comunidade lerá um livro desses e ficará horrorizado com tamanho desserviço e representações grotescas de relacionamentos e pessoas LGBTQ e a autora ainda se diz militante e que tem muitos leitores LGBTQs e fica toda doída quando GAYS apontam os furos de sua obra como se nós, GAYS, não houvéssemos entendido nada, querida, quem não entendeu nada foi VOCÊ!

Há autores héteros que escrevem sobre temas LGBTQ e com louvor, ser hétero não é um impeditivo para escrever sobre LGBTQ assim como ser gay não é impeditivo para escrever sobre temas héteros. Enquanto escritores, precisamos ter a liberdade de expressar nossa arte como acharmos melhor desde que ao falar de temas que não conhecemos ou onde não temos lugar de fala saibamos fazê-lo de forma correta, humana, sensível e coerente afinal, independente da orientação sexual, estaremos falando de relações humanas, de pessoas, de amor e afeto, coisas que estão muito além de clichês sexuais socialmente impostos e aceitos e de estereótipos perpetuados.

Enquanto autores e autoras como esta ilustre senhôra estão colhendo os louros de serem identificados como LGBTQ, temos autores LGBTQ que estão produzindo literatura de qualidade e fazendo algo realmente relevante pelo movimento e não somente autores e autoras LGBTQ, héteros também ainda que sejam todos pouco conhecidos pois escrevem sobre assuntos que vão além do sexo e do esperado clichê de LGBTQs e muitos leitores não querem isso, querem o fácil, o comum, o esperado, o clichê, o que já entendem, que não lhes causará desconforto ou lhes forçará a pensar em questões que não desejam pensar.

Se você realmente deseja conhecer literatura LGBTQ que está fazendo a diferença, faça um esforço, pesquise ou até mesmo me pergunte que posso lhe indicar alguns autores LGBTQ de qualidade, são autores e autoras que estão batalhando e muito para fazer a diferença e ajudar a comunidade LGBTQ.

Não dê mais dinheiro para hétero oportunista.


30 de jan. de 2020

Saída



Tenho, com dois amigos, um podcast sobre literatura LGBTQ chamado ORGULHO CAST - disponível nas principais plataformas, ouve lá, não custa, você ouve coisa pior e até gosta que eu sei!

Gravamos quinzenalmente um episódio em que discutimos um livro previamente escolhido e lido por todos os três e sobre os assuntos e temas que o livro em si aborda e, no último episódio, falamos sobre sair do armário.

Tema delicado.

Todos temos opiniões muito pessoais sobre isso, sobre como e quando fazer, se é ou não preciso fazer e não foi diferente entre nós mas, pessoalmente, creio que essa saída do armário é de vital importância na construção da pessoa LGBTQ que você será.

Sair do armário é uma decisão muito delicada e pessoal, ninguém deve fazer isso por você e esses movimentos de OUTING em que pessoas são arrancadas de seus armários e tem sua sexualidade exposta são horrendos pois ninguém além de você deve saber quando e como fazer isso e mesmo se deseja fazê-lo, não cabe a mais ninguém.

Pode parecer algo fácil de fazer ainda mais se considerarmos que nos dias de hoje, assumir-se pode ser algo menos traumático do que, por exemplo, há quinze ou vinte anos mas, não se engane, ainda é um tema delicado e complexo ainda mais na atual estrutura conservadora da sociedade que está dificultando a vida das pessoas LGBTQ o máximo quanto for possível.

Há várias coisas a pesar na decisão de se assumir como família, amigos, trabalho, sociedade, tudo isso deve ser muito bem pensado e ponderado e, se for preciso, procure ajuda profissional pois às vezes não é um fardo fácil de se carregar sozinho, temos instituições, ONGs e profissionais capacitados para guiar você nesse caminho e ajudar a encontrar a melhor maneira de sair do armário.

Por mais que tenhamos muitos avanços nas questões de visibilidade, representação e direitos LGBTQ ainda somos um dos países que mais matam e discriminam pessoas LGBTQ e muitos de nós, ao dar esse passo tão importante na construção de sua identidade, perdem todo apoio familiar, de amigos e ficam em situação de extrema vulnerabilidade e fragilidade. São comuns ainda, infelizmente, os casos de pessoas LGBTQ que ao se assumirem são expulsas de casa e passam a viver em situação de rua ou são jogadas para a criminalidade ou prostituição porque não veem qualquer apoio vindo de onde quer que seja.

Mesmo assim, assumir-se, falar em alto e bom som que você é LGBTQ, é libertador, ninguém deve ter medo de falar abertamente sobre sua sexualidade, não é algo vergonhoso mas algo a ser celebrado, é parte de quem você é, te define e constrói sua identidade como pessoa.

Esse discurso de que não preciso falar, não desejo expor minha intimidade e coisa e tal é um armário dentro do armário, enquanto você não aprender a lidar com sua sexualidade de forma aberta, direta, não reprimida e naturalmente você seguirá saindo e entrando do armário vezes seguidas o que é um desperdício de vida e energia.

Não devemos ter medo de falar que somos gays, lésbicas, trans, travestis, não binários, seja o que for, precisamos é bater no peito e falar isso aos quatro ventos, não tenha vergonha de ser quem você é, quem estiver ao seu lado é que precisa aprender a lidar com isso, não você e essa a questão principal: antes de se assumir para outros, assuma-se para si, olhe no espelho e diga em alto e bom som EU SOU LGBTQ!

Sem se assumir para você não faz sentido assumir para outros porque você ainda não terá isso resolvido dentro de si, quando tiver, não esconda, não pense que isso deve ficar restrito ao pessoal, ao íntimo, isso é esconder quem você é e você é uma criatura LGBTQ linda e única que merece respeito e amor, não deve jamais ter vergonha de dizer abertamente quem é, essa vergonha pertence ao olhar do outro e esse olhar pouco tem a acrescentar senão julgamentos e opiniões que não irão mudar em nada sua vida ou sexualidade muito pelo contrário.

Ser LGBTQ é uma coisa maravilhosa, ser LGBTQ e poder falar isso em alto e bom som sem medo, sem culpa e com orgulho, não tem preço!

29 de jan. de 2020

Nos deram espelhos

Triste. Horrendo. Pavoroso.

É lamentável que tenhamos um Chefe de Estado que seja capaz de quase diariamente proferir algum tipo de absurdo que desafia nossa capacidade de nos surpreender. Pior. Estaríamos chegando ao ponto de normalizar que ele so fala merda e que ele é assim mesmo?

Perigo, Will Robinson!

Ao não mais nos chocarmos com suas frases estapafúrdias estamos anestesiando a nós mesmos e dando carta branca para que ela passe a fazer o que diz. É mais ou menos como ele estivesse nos testando, nossos limites, fala alguma merda e vê nossa reação, como ficamos, se não tem repercussão, ele sabe que aquilo pode virar realidade que nem daremos fé, se pega mal ele volta atrás e diz que foi mal interpretado, que foi a mídia golpista que distorceu tudo, que ele não pode falar nada que sempre vai estar errado.

Não seria mais fácil passar a se comportar como chefe da nação? Tomar mais cuidado com o que fala, como fala e onde fala? Não para ele, seu estilo trator é sua marca e ele não é um presidente, e um sargento que foi colocado ali para por ordem no quartel, age como tal, faz como tal, simples assim.

Uma das última que certamente vai lhe custar algumas lapadas da imprensa é esta aqui. Desde sempre, o messias deixou claro que tem pouco apreço pelos indígenas, a seus olhos são vagabundos mamando nas tetas do Estado, suas terras poderiam ser plantadas ou virar turismo, cambada de inúteis que não produzem nada de bom para a sociedade.

Antes da chegada dos portugueses, contávamos com algo em torno de três milhões de indígenas  divididos em cerca de mil povos distintos. Já em 1650 ou seja, em termos históricos pouco depois da colonização, esse número já havia sido reduzido para pouco mais de setecentos mil. Parte desse genocídio se deu devido às doenças trazidas pelos colonizadores contra as quais as populações locais não possuíam imunidade, outro tanto foi vítima da escravidão ou simplesmente morto por esporte por serem considerados pagãos sem alma.

Não bastasse isso, esses povos foram submetidos a 'ocidentalização', eram convertidos ao catolicismo por bem ou por mal, alijados de seus costumes e cultura considerados demoníacos pelos colonizadores e adquiriram vícios como álcool, fumo e drogas conforme o processo de colonização se firmava e avançava.

Dizer que o indígena está evoluindo e que já é quase igual a nós, um ser humano, é uma redução horrenda de um crime hediondo que segue sendo cometido nos dias de hoje. Tornar o índio assimilado na sociedade é roubar o que ainda resta de sua identidade, se é que sobrou alguma, essa fala de Bolsonaro atesta o caráter eugenista de sua proposta de governo onde qualquer minoria deve curvar-se ante a maioria e ser assimilada ou então destruída.

Ao falar que os povos indígenas estão se tornando cada mais parecidos conosco, Bolsonaro faz uma comparação esdrúxula tendo por parâmetro seu conceito do que é ser humano como se os indígenas fossem não-humanos, cidadãos de terceira classe ou algum tipo de gente sem qualquer capacidade cognitiva ou cultura própria ou seja, esses povos que nunca saíram completamente do processo de colonização terão um enorme desafio de enfrentar mais uma onda de colonizatória.

Grande parte de nossa cultura veio dos povos indígenas, diluímos isso no cotidiano achando que são coisas comuns mas nomes de ruas, avenidas, praças, comidas, bebidas e até costumes nossos foram herdados desses povos de quem roubamos tudo e não demos nada em troca a não ser bugigangas, doenças, vícios e um eterno não pertencer na casa que um dia foi deles.

28 de jan. de 2020

Ninguém gosta de criança mimada

Criança mimada é um porre, quem gosta? Nem psicólogo, acho eu.

E adulto mimado? Pior!

Bolsonaro é um adulto mimado.

Quando você é eleito para o maior cargo executivo da nação automaticamente você se coloca na berlinda, a bunda estará na janela vinte e quatro horas, sete dias por semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano - em 2020 trezentos e sessenta e seis.

Nada mais lógico. O destino do país está 'em suas mãos', sua vida, cada palavra, cado ato, cada passo, tudo ser escrutinado e você terá de sambar para sair das sais justas ou ensabonetar aquele assunto cabeludo, faz parte do jogo que políticos tarimbados jogam há séculos.

Não o messias mimado.

Quando é confrontado, contestado ou se vê ante perguntas que não lhe são favoráveis ele se irrita, bate o pé, espuma e ofende, ataca os jornalistas que estão apenas fazendo seu trabalho xingando, diminuindo, alterado, grita, esperneia e sai de rompante. Disse agora, no melhor estilo pirralho, que não falará mais com a imprensa já que esta mesma imprensa o acusa de ataques então, na lógica tora do messias então melhor não falar com vocês.

O comportamento do messias é típico de quem não está acostumado a ser contrariado, caserna, ditador de botequim e de cama e mesa, só tem valor ou voz quem fala o que ele quer ouvir, quando falam o que ele não quer ouvir ele manda a merda e quer que a pessoas suma, simples assim.

Seus chiliques com a Folha, Globo e outros meios de comunicação são conhecidos, toda a compostura de um chefe de governo, realmente. A imprensa deve ser livre, pode até falar merda e muitas vezes o faz, pode não ser isenta algumas vezes mas deve sim ser livre e ainda acredito que seja o único meio que temos de fiscalizar e vigiar os mandatários.

Ao desmerecer a imprensa e atacá-la, Bolsonaro está conclamando a sociedade para que faça o mesmo e passe a acreditar apenas no veículos que lhe são favoráveis, fascistas não aceitam críticas ou notícias que lhe ponham contra a parede. Desacreditar a imprensa é um mecanismo usado por ditadores desde sempre visando formar a opinião pública a seu favor.

Um político de carreira pode até, em sua intimidade, achincalhar um meio de comunicação mas jamais iria atacar diretamente e ao vivo, são criaturas espertas e sabem levar uma entrevista ou perguntas delicadas de forma leve, tem jogo de cintura, sabem se safar fácil de situações assim. Bolsonaro não, ele tem estilo caserna, parte para o ataque, não leva desaforo e isso alegra seu gado que vê nisso uma autenticidade quando deveriam ter é medo desse comportamento no presidente do país.

É preocupante que tenhamos um presidente tão raivoso e incapaz de lidar com a imprensa e muito menos com opiniões contra si e seu governo. Bolsonaro encara cada pergunta, investida, investigação ou manchete como um ataque pessoal e não como a seu governo, está governando como se estivesse em sua casa e assim, devemos todos obedecer suas regras ou a porta da rua é de nossa serventia.

Ao atacar a imprensa e desmerecer jornalistas está comprando uma guerra que já cortou a cabeça de muita gente que se achava acima do bem e do mal, a história está recheada de casos assim, basta procurar. Age em paralelo com seu amante americano que também execra a imprensa e mídia de forma geral, fake news, adultos mimados que não gostam de ser contrariados.

O que me apavora são as pessoas que concordam com ele, que também acham a mídia golpista e tendenciosa, pode até ser, às vezes é mas são exceções. Uma imprensa livre para falar de assuntos importantes é um dos pilares da democracia, atacar a imprensa livre é dinamitar a basa da democracia e geralmente, quando ela desmorona, o que vem em seguida não é nada agradável.

27 de jan. de 2020

E eu gosto de meninos e meninas

Comecei pensando escrever sobre a famigerada ideologia de gênero mas, tem gente mais capacitada para isso e assim, usando por base este texto de Roberto Muniz Dias - vale a leitura -, decidi ir por outro caminho.

Peço ao querido leitor que atente a esta imagem:


Pense bem por alguns minutos, lhe dou esse tempo para tentar encontra o que está errado, valendo!

(pausa dramática para voltar ao texto)

Vamos lá? Ok.

Esqueça por um momento a ideologia de gênero enquanto teoria ainda que estaremos em sua alçada no que escreverei. Foquemos no quesito MENINOS E MENINAS, percebeu bem o que a lista da escola pede aos pais?

Estamos ante o mais sórdido mecanismo de perpetuação de papéis socias, machismo explícito disfarçado de educação, misoginia velada de lúdico, tudo para deixar calmos os pais de que a escola não está propondo ideologias, apenas perpetuando as figuras que cada um deve ocupar na sociedade.

É notório que o atual governo e sua estrutura estão numa cruzada santa contra qualquer possibilidade que remonte a discussões de gênero e muito menos a qualquer tipo de contestação quanto aos cargos sociais que homens e mulheres devem exercer na vida privada e social, Damares já deixou isso mais do que claro.

É cruel, vil e horrendo uma escola imputar que meninos podem sim ter uma profissão enquanto as meninas terão como futuro pilotar fogão, pia e máquinas de lavar. Fico pensando nessas crianças que desde cedo já tem podados quaisquer sonhos de serem o que quiserem tendo de seguir os papéis sociais que deles se espera.

Na atual conjuntura, a escola está ante um dilema complexo, precisa educar e, em tese, formar cidadãos conscientes e idealmente pensantes mas, a norma que vem de cima não fomenta esse tipo de educação, oprime vide os casos de alunos filmando professores que estavam 'doutrinando' seus alunos.

Os pais, por sua vez, cada vez menos se importam com a educação de seus filhos, jogam tudo para o Estado e escolas como se fosse a obrigação deles formar seus filhos mas não sabem dizer o que esperam, apenas o que não querem e nem disso tem clara certeza muitas vezes.

A educação é um jogo compartilhado, deve ser um caminho trilhado pela escola, pais e alunos em proporções tão equivalentes quanto possível, nesse jogo de empurra quem perde são as crianças que acabam obtendo sua formação de Youtubers e influenciadores digitais já que ninguém fora desse ambiente o que fazer ou dizer.

Esse tipo de ocorrência, dessa lista de materiais, pode parecer algo banal ou até sem sentido, você pode pensar que há coisas mais importantes com as quais se preocupar e eu até concordo mas, pense bem por um momento.

Se desde criança já embutimos o pensamento de que homens e mulheres são diferentes e que cada um deve brincar, usar e fazer de conta conforme seu gênero, pouco ou nada estamos fazendo para diminuir a diferença entre homens e mulheres muito pelo contrário. 

Estamos reforçando comportamentos normativos que futuramente farão apenas aumentar as diferenças entre homens e mulheres, o feminicídio já que a mulher é uma pessoa de segunda classe, e, de tabela, todos os preconceitos socias associados a manutenção dessas diferenças já que uma sociedade com diferenças gritantes entre homens e mulheres, machista e misógina é mais propensa a expandir tais preconceitos a outras minorias como gays, afrodescendentes, imigrantes ou qualquer outro grupo social que esteja abaixo da classe de machos alfa que se perpetua no poder.

Deveríamos estar preocupados com a ideologia machista e não com a ideologia de gênero.

24 de jan. de 2020

Rita Lina

Sintomático dos tempos atuais qualquer pessoa que decida falar sobre assuntos delicados, polêmicos ou que promovam algum tipo de reflexão, serem taxadas de conversores ideológicos de esquerda como se fosse algum tipo de patologia ou maldição que ameaça a fábrica social.

Assim, este texto do meu querido Roberto Muniz Diaz reflete bem esse caso. Pessoalmente sou mais do texto escrito, capaz de ler dezenas ou centenas de páginas sobre um assunto sem cansar mas, quando preciso reter a atenção em vídeos eu me disperso, deve ser por isso que não gosto de nenhum canal no YouTube o que não significa que não existam alguns realmente bons, ache seu meio e nele se explore ou exploda.

Já vi alguns vídeos de Rita Von Hunty, alter drag de Guilherme Terreri Lima Pereira, que através de seu canal TEMPEO DRAG foge do usual encarnando uma drag queen refletindo sobre questões complexas, falando de temas cabeludos e, o melhor, de forma simples, direta, didático e bem humorado.

Obviamente que na atual conjuntura Rita foi taxada dentro e fora da comunidade LGBTQ (pasmem) de esquerdopata, doutrinadora e todo o séquito de adjetivos que os conservadores adoram associar a quem ousa ter pensamento próprio.

Rita não doutrina, explica. Rita é direta e vai no osso da questão, explica coisas foda de maneira simples que até um seguidor do messias consegue entender e é aí que reside o caroço, meus amores.

Estamos passando por tempos em que a doutrinação está vindo na contramão, não querem que você leia, que você tenha cultura, que você pense e tenha opinião porque gente assim contesta e não aceita qualquer placebo goela abaixo. Em tempos de um presidente birrento que odeia ser contestado e que tece para si e para todos o que é a realidade no melhor estilo ladrão de sonhos, pessoas que pensam e que falam como Rita são uma ameaça, estão falando o que fere os brios desse povo porque estão falando a verdade e convocando o povo a pensar, os que a ouvem porque muitos sequer chegarão perto de seu canal com medo de serem doutrinados.

A essência de uma sociedade é sua habilidade de dialogar, pode parecer paradoxal já que eu mesmo escrevo textos aqui que podem parecer pouco propensos ao diálogo mas veja bem, diálogo é quando você e outra pessoa - ou um grupo de pessoas - debatem ideias que podem ou não divergir ou convergir com o intuito de chegar a um consenso ou a uma nova ideia que antes não se ventilava.

Com fascistas e conservadores não há diálogo possível porque para estes só há um lado certo, o deles. Se você tenta argumentar depois de alguns minutos ou segundos esse povo já está lhe chamando de doutrinador, comunista, esquerdopata, PT, contra o Brasil e essa merda toda que os nacionalistas de plantão adoram vomitar.

Rita é um ar fresco. Rita não quer doutrinar ninguém, o oposto disso. Em seu canal ela apenas expõe os fatos, não impõe. Rita não comprou a verdade ou a ganhou como missão sacra de reerguer a nação falida, nem a família descontrolada brasileira. Rita apenas faz a soma e mostra o resultado, se você vai ou não concordar com ela vai de como você encara a soma dos fatores e o produto final.

22 de jan. de 2020

Diga-me onde moras e te direi se terás emprego...

A cidade é um monstro imenso que diariamente devora gentes e caga restos humanos que adubam o dia seguinte para começar tudo de novo.

Locomoção em SP é para os fortes. De estômago, de espírito, de alma, de corpo, de ânimo, de vontade e tudo mais. Já conheci gente que gastava todo dia cerca de cinco horas no trajeto casa-trabalho-casa, considerando um jornada de oito horas e um dia de vinte e quatro, essa pessoa consumia mais da metade de seu dia no transporte público tendo de dividir o que sobrava entre outras atividades como lazer, estudo e porque não dormir.

A cidade cresceu de forma completamente desordenada empurrando parta bairros cada vez mais distantes a maioria da população incapaz de acomodar num orçamento apertado o custo de vida exorbitante de morar próximo ao trabalho, privilégio reservado a elite branca cis da qual eu, não há como negar, faço parte.

São essas pessoas que gastam tempo se locomovendo pela cidade que movimentam a máquina branca que está pouco se lixando em saber quantas conduções ou baldeações serão necessárias para que a diarista, o porteiro, o entregado e outros prestadores de serviços cheguem a seus destinos e cumpram com sua função de não deixar a elite branca sem seus mimos.

Como se não bastasse isso, a sociedade e o governo não se cansam de tomar medidas que tornem apenas mais difícil esse deslocamento vide o preço de $4,40 pelo coletivo e metrô, o cancelamento de diversas linhas de ônibus principalmente ligando os bairros mais distantes ao centro e bairros nobres e o metrô que faria qualquer cidade que se auto proclame metrópole corar de vergonha.

Esse mecanismo perverso não pensa em facilitar o acesso dessas pessoas ao trabalho mas sim impedir seu acesso ao lazer e cultura fora da periferia que, segundo pensam, é onde devem ficar essas pessoas e por lá mesmo ter seu lazer, promover sua cultura e viver suas vidas aos finais de semana, feriados e dias santos desde que não seja o plantão. Nada de ir passear no shopping de rico, museu, cinema ou teatro, nada de ir ao parque onde as madames e playboys vão correr e passear com seus filhos de raça, muito menos marcar rolê nas cercanias de bairros nobres.

Por isso bairro de rico não tem transporte e quem precisa lá chegar tem de penar e muito para fazê-lo sendo obrigado a caminhar ainda uma boa distância já que rico não tem metrô na porta muito menos ponto de ônibus, onde já se viu!

Essa mesma exclusão acabe sendo responsável por aumentar os índices de desemprego de quem m ora muito distante do centro ou grandes centros de emprego vide esta matéria aqui que elucida bem o assunto. Não é de surpreender que a maioria branca seja a que tenha mais fácil acesso ao trabalho e oportunidades de emprego já que não precisam cortar a cidade de um extremo a outro para isso.

Acontece que parte dessa elite branca, digamos os não tão ricos quanto a maioria dos demais brancos - eu incluso, está cada vez mais enfrentando dificuldades em 'morar bem' já que vários bairros como a Vila Buarque, onde resido, estão passando por um processo de gentrificação e consequente especulação imobiliária o que faz com que os preços não apenas do imóveis mas de tudo ao redor fique muito mais caro do que o normal e assim, afastando boa parcela de moradores originais do bairro ou permitindo que pessoas que desejem morar na região o façam jogando para os bairros mais distantes todos que não podem arcar com o luxo de morar num bairro 'novo' ou 'renovado' e assim, i ciclo se mantém e não se quebra.

Não bastam apenas políticas públicas para resolver esse problema mas certamente que sua solução passa por elas, é preciso que nós mudemos nossos hábitos e tenhamos empatia em reconhecer que o problema não é apenas de um mas de todos nós e, para deixar claro como ainda não conseguimos pensar assim, deixo o exemplo que uma amiga me deu há algum tempo.

Ela conversava com algumas pessoas no café da empresa, algumas reclamavam que por conta dos corredores de ônibus, estavam levando mais tempo que o usual para chegar ao trabalho de carro. Ela argumentou que para as pessoas que usavam o transporte público, os corredores faziam uma enorme diferença pois representavam uma economia de tempo para essas pessoas que poderiam, com esse tempo extra, talvez chegar mais cedo em casa, na faculdade e ter uma qualidade de vida melhor.

Foi tratada feito um alienígena e a conversa ficou por ali mesmo.

21 de jan. de 2020

O país do futuro (?)

Ontem.

Fui levar alguns livros e revistas para a biblioteca que fica perto de casa, sempre aceitam doações, melhor que vender, dá um sentido de boa ação.

Chegando lá, havia uma senhora já de idade prestando atendimento na recepção e acompanhada do que imagino fosse sua neta, uma criança de cerca de cinco anos ou algo por volta disso. Espevitada, geração nova que parece já ter nascido com a personalidade formada online e dona de sua razão e opiniões incontestes.

Ela se aproxima do balcão meio adulta diz 'pois não' e começa e ver as revistas que levei enquanto a mulher começa a verificar os livros. Depara-se então com uma capa da Piauí onde Bolsonaro beija seu guru Olavo num abraço.



E diz 'eca, não pode isso' e mostra para a avó que a repreende de forma dócil dizendo que pode sim ao que ela retruca 'mas é errado', a senhora retruca que não, errado é desejar ou fazer mal aos outros e que as pessoas são livres para gostarem de quem quiserem; eu mesmo olho para a menina e pergunto 'errado porque?' e ela responde 'porque é', eu digo 'não, não é errado, as pessoas são livres para beijarem e gostarem de quem quiser', ela encerra a discussão talvez por não possuir ainda todo o aparato necessário para manter tal debate ou talvez porque esteja convicta de suas ideias e não deseje debatê-las com sua avó e com uma bixa de esquerda.

O que me preocupa neste cenário é uma criança já ter como certo de que o beijo entre dois homens (e por tabela entre pessoas do mesmo sexo ou qualquer beijo não normativo) seja errado. De algum lugar ela tirou este (pre)conceito, talvez de sua família ainda que sua avó ou mãe ou seja lá o que tentasse lhe explicar o contrário. Se não foi do ambiente familiar, o que me parece mais provável, então desde tenra idade já foi exposta ao discurso de preconceito e homofobia que nessa idade pode até adquirir ares de graça mas que, com o passar do tempo, irá se transformar em intolerância e ódio.

Fico pensando se esta não será a geração que cresceu sob o governo do messias, lavados e alvejados nos ideais conservadores, cristãos e fascistas, seria interessante acompanhar essa criança e ver, dentro de algumas décadas, em que ela se tornou botando fé que a voz da razão de sua tutora tenha se feito ouvir mais forte que as outras que pregam o amor e afeto fora das normas como errados.

Mas, o pensamento mais cruel é a dúvida de quantas outras crianças estão crescendo sob esses mesmos conceitos e ideias ensinados por seus pais, tutores ou expostas a lavagem cerebral conservadora. O estrago que está sendo feito só poderá ser mesurado dentro de alguns anos ou mais e talvez impossível de ser corrigido, estaremos sob o jugo de uma geração de pequenos fascistas que pintam um quadro bem mais horrendo do que o atual.

De arremate, ela se depara com esta capa da Piaui, de certo que jamais lerá tal revista tão afrontosa quando adulta:


E diz levando a revista para a avó 'olha' ao que a outra lhe responde 'e qual o problema?', 'ele tá pelado, não pode', 'ué mas qual o problema, você não toma banho pelada?', 'não, eu tomo banho de calcinha!' rebata na empáfia e indignada com tamanha falta de pudor.

É.

O Brasil é o país do futuro (sombrio).


20 de jan. de 2020

O ovo da serpente

Talvez não tenhamos dado a devida atenção e importância a esse caso do Roberto Alvim nos perdendo num sem fim de críticas online sem perceber o quadro maior e bem mais grave que temos nas fuças.

Explico.

Alvim pode parecer demente mas garanto que não é, pode soar como fanático religioso recém convertido mas não é, esses tipos de fanáticos que posam de doidos são os piores pois alegando algum tipo ou grau de insanidade acabam conseguindo desculpas por sua conduta abjeta.

Alvim veio do teatro, da arte, acho muito difícil acreditar que tenha sido vítima de um erro cometido por estagiários ou assessores, influências satânicas como até já comentou recentemente ou novamente alguma falha ou ato falho infeliz. Toda a estética do vídeo, sua postura, entonação de voz, enquadramento, discurso, música de fundo, tudo foi milimetricamente pensado para imitar a estética nazi-fascista de propaganda que arrebatou a Alemanha.

Seria preciso uma sequência inimaginável de erros grosseiros e que ele fosse algum tipo de imbecil para ignorar o que estava sendo feito e, sinceramente, não é o caso. Tenho certeza de que ele de forma consciente e proposital elaborou todos o detalhes daquele show de horrores, negará até a morte e talvez algum estagiário ou assistente terá de lhe ceder a cabeça para acalmar os ânimos mas não compro essa inocência ou ato falho de forma alguma e, se você compra, então o imbecil é você pois se anda como um nazi, fala como um nazi e age como um nazi então É UM NAZI PORRA!

Outro fato muito importante, Alvim quase não foi demitido. O messias ficou lá pensando em segurar ele no cargo até que a soma dos fatores fechou a equação e não teve mais como, ou ele queimava o cara ou quem ardia era ele que já anda mais queimado que carvão depois de churrasco. Bolsonaro não deve nem saber quem foi Goebbels e deve ter pensado que se Alvim causou tanto alvoroço então deve ter sido coisa boa tamanha é sua burrica geográfica e histórica.

Alvim só foi demitido porque abriu a caixa de horrores que é esse governo deixando claro qual sua intenção e plano para a nação, foi demitido porque não foi sútil, deu nomes aos bois e disse a real. A ideologia fascista e nazista segue firme e forte no governo do messias vide Damares, Weintraub e outros acólitos que seguem a cartilha mestra do messias e seu clã teocrático de uma revolução conservadora que recolocará o país no caminho da família, tradição e propriedade.

O erro de Alvim foi interpretar as declarações constantes do messias contras negros, gays, mulheres e demais minorias ao pé da letra e colocar isso para o público, enquanto fossem apenas declarações feitas em eventos ou redes sociais fica esse ar de chacota mas quando você faz um vídeo revelando que a inspiração do governo é concordante com esses discursos a coisa fica séria.

Ou não.

Em seu perfil no Face, Alvim recebeu apoio, APOIO! Impressionante (com dois S porque não Ministro da Educação) como não temos memória ou qualquer bom senso, o cara faz um vídeo de apologia ao NAZISMO e recebe APOIO! Mas, não é de impressionar. A PF em conjunto com a inteligência das polícias estaduais tem monitorado um aumento considerável de atividades de grupos neo-nazistas inclusive com manifestações sendo organizadas em apoio ao ex-secretário e ao presidente, como se não bastassem os casos de imbecis usando SUÁSTICAS como se fossem símbolos de orgulho.

Tudo isso acontece porque o governo que temos é um governo FASCISTA E NAZISTA mas age na calada e nas sombras, quando temos um governante que abertamente condena a cultura, as minorias e prega que estas devem ser curvar à maioria, que deixa claro seu plano ufanista de nação cristã, essas parcelas da sociedade que concordam com ele sentem-se mais do que à vontade para mostrar os dentes sem medo de serem repreendidas.

Bolsonaro teve de demitir Alvim a contragosto porque ele já deixou claro que detesta ter de agir quando pressionado pela mídia, pela classe política ou pela sociedade civil ou seja, temos um ditador no poder que só não é ditador ainda por uma questão técnica, ainda temos três anos para que ele seja o pequeno Hitler dos trópicos, basta aguardar e ver.

Neste caso da sociedade civil há que se fazer um adendo e o farei com o maior respeito a comunidade judaica nacional e internacional pois eles foram sempre as maiores vítimas do nazismo e regimes totalitários e seu repúdio ao discurso de Alvim foi sim decisório para que o imbecil de Brasília tomasse sua decisão mas, foi num discurso para a comunidade israelita na Hebraica do RJ que o então apenas deputado proferiu comentário ofensivos e racistas contra quilombolas e mulheres sendo aplaudido e chamado de mito ou seja, guardadas as proporções obviamente, falar mal de negros, viados, mulheres e nordestinos tudo bem? Dois pesos, duas medidas?

O nazi-fascismo segue embrenhado no poder, esse episódio de Alvim certamente serviu para alertar esse povo de que precisam tomar mais cuidado ao falar de seu plano nefasto para o país, tenham certeza de que a partir de agora eles serão mais cuidadosos - ou não porque o grau de imbecilidade deles é tamanho que certamente farão em breve outra merda que nos causará risos de nervoso - com seu discurso mas não se engane, eles seguem lá e cada vez mais cercados de apoiadores travestidos de defensores da mora e bons costumes, cobertos pelo manto da religião, orando pelo fim do mal que atravessa nossa sociedade na figura de bixas, pretos, pobres e tudo mais que não é aceitável numa sociedade utópica que ele anseiam implementar.

O ovo da serpente eclodiu e as cobras estão rastejando bem diante de nossos pés, cabe a nós pisar em suas cabeças antes que elas nos mordam.

17 de jan. de 2020

Heil Jair!

Este é Joseph Goebbels, ministro de propaganda da Alemanha durante os anos do Nazismo.




Goebbels ajudou Hitler a consolidar seu poder e tornar o Nazismo um culto cego ao líder supremo usando a parafernalia do Estado para revisar a história, impor uma nova cultura voltada para o nacionalismo, ufanismo extremo, mitos de heróis teutônicos e da grandeza do povo alemão, tradição, família, povo, uma nação, uma só raça.

Revisou e mudou toda a cultura e aparato educacional para banir qualquer resquício de ideologia que fosse crítica do poderio nazista, a única fonte de informação eram os órgãos estatais, tudo passava por eles e tudo só era publicado ou divulgado com anuência destes.

Esta é parte de um discurso de Goebbels extraída de sua biografia escrita por Peter Longerich:

“A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada” 

Este é o Secretário da Cultura do Governo de Jair (Heil Hitler) Bolsonaro:



Quem controla a narrativa controla o poder.

Pense bem.

16 de jan. de 2020

Paquiderme

Um pequeno conto sobre calor, cidade e os elefantes no meio das salas.

Da cidade escorria um suor seco e frio, o sol burlava as nuvens do fim de dia e sambava seus raios através desses buracos no céu. Irritadas, as nuvens corriam para preencher essas brechas só para constatar que logo mais a frente outras tinham sido abertas numa brincadeira de cão e gato que passava despercebida pelo mundo cá embaixo.

Salvo eu aqui, observando tudo e apostando onde o sol malandro ia forçar a entrada, abrir as pernas das nuvens vestidas de hábito monástico jogando um pouco de luz sobre a cidade louca. 

Parecia que em cada um desses buracos de sol as pessoas iam, a qualquer momento, sair com mãos ao alto rogando ao astro que lhes dissesse o caminho a seguir, jogasse para longe as nuvens de suas vidas nubladas e lhes desse um alento muito alem do seu alcance enquanto corpo celeste, ocupado demais com danças astrais para dar conta de desejos terrenos e, de certa forma, ciumento de ter sido roubado de seu heliocentrismo, melhor deixar essa raça ao seu destino, deveria pensar.

Apoiava o queixo sobre as mãos cruzadas no parapeito da janela, sorvendo essa brincadeira com gosto, já estava ali há algum tempo, aguardando que um daqueles buracos-sol caísse sobre mim e, feito interrogatório, me forçasse a confessar os crimes indizíveis que carregava no peito até mesmo aqueles que não cometi ou tencionei cometer.

Podia ver outras janelas ali da minha, outros pecados, outros crimes, outros sexos, outros amores que mantinham seus segredos entre paredes e até mesmo dentro delas haveria outros segredos dentro de mais segredos. Lugares secretos, anseios não revelados, coisas não ditas, entaladas e que acabavam por emprestar às paredes um gosto amargo e cheiro fétido conforme o acúmulo de dissabores não compartilhados ia se tornando uma massa disforme de fel e rancor.

As paredes têm ouvidos, e nariz, e boca, e braços e pernas, e coração, e sangue, esquecemos disso e pomos por terra esse universo que deveria funcionar como porto tranquilo e seguro ficando num eterno cá e lá, melhor, nenhum dos dois vide que o mundo lá fora quer devorar até o tutano e, aqui dentro, nem devoramos nem o oposto disso restando uma letargia muda e ácida que vai corroendo todos os elefantes que pomos dentro de casa.

Um elefante, sim, incomoda muita gente. Dois então, muito mais. Que dizer de mim que tinha essa manada a dividir espaço comigo? Olhava a colcha de retalhos solar se espalhando, pondo para correr as nuvens bestas e então, caiu em mim uma dessas rodelas de luz e ficou. Talvez com medo dos meus elefantes não vieram nuvens tapar o buraco, parecia que minha janela era o palco da cidade; talvez todos já tivessem, quando vitimados pela luz esclarecedora, purgado seus erros e coubesse a mim cair, em grande estilo, o pano.

Pois bem, armado de luz, ergui o queixo de sobre minhas mãos, olhei para trás mirando cada elefante nos olhos e disse que o safári iria começar, era cada um por si e o sol era para quase todos. Comecei lembrando de quando nos conhecemos, aquela pista cheia de luz, som e fúria e nós ali dançando ao redor daquele fogo fátuo, sedentos de nós mesmos. Foi bom, consumamos tudo ali mesmo num canto mais escuro e minha língua foi seu sexo e seu sexo foi meu orgasmo e nosso gozo foi estridente e nossas bocas sem pudor e sem fim salivaram uma na outra todos os desejos e sonhos que nossas veias tinham guardado.

Os corações correram garganta acima e se bateram de frente Tum Tum Tum Tum Tum Tum Tum uníssono e num coro que ia acima da musica na pista. Bailaram as aortas, quase enfartam os miocárdios mas, segura, voltam eles para suas cavidades certos de que são um do outro mas a mente prega peças e desce a chibata no músculo cardíaco eriçado dizendo que está a mandar sangue demais para a cabeça de baixo deixando a de cima desprovida de poder colocar ordem nesse puteiro.

Corações aplacados e membros meia-bomba, melados de sexo, passamos ao que deveria ter sido o inicio e trocamos amenidades já que a intimidade fora sequestrada um do outro, sem resgate. Do clube ao café mais próximo, brecamos tudo que fosse mais fast no café da manhã e entre pães, doces e cafés, trocamos recheios de sonhos, coberturas de desejos, caramelizamos nosso amor, pão de Ló apaixonado, pão/pau - queijo/beijo.

Satisfeitos nos dois apetites, nos despedimos e trocamos números de telefone velados com a promessa de ligar e a incerteza de tal promessa fazer-se ato. Fomos embora, aguardar os minutos fazerem as horas, as horas dias e os dias nossa fome de ter-nos de novo mais do que a comida podia suprir. Em casa, mirava o telefone, os dedos tamborilando, dementes por se fazerem úteis e discar mas punha os danados a ferros e lhes dizia que você também tinha dedos e assim poderia fazer o mesmo esforço.

Nesse balé de tolos ficamos por algum tempo, aposta estúpida, sem ganhadores, premio que se acumulava agitando as mãos para ser resgatado e nós dois fazendo pouco dele, como que a deixar para outros que precisassem mais, como se nós mesmos não o desejássemos mais que o ar a nossa volta. E veio o toque do aparelho, agora já não sei quem correu para resgatar o premio, só sei que nos falamos e resolvemos que o melhor a fazer era dividi-lo uma vez que ambos o desejavam na carne.

Fizemos assim e fomos gastando essa loteria acumulada a dois, cegos do amor que nos fora sorteado, incautos, investidores de primeira viagem. De começo, achamos que aplicáramos nosso amor em investimentos cujo rendimento seria liquido e certo, nossa felicidade era por conta, tínhamos a nós e isso era uma linha de credito sem fim, inesgotável e cada vez que parecia a nós que os rendimentos não eram assim lá o que esperávamos, bastava fazer um empréstimo pessoal de nós mesmos, com juros de amante para amante e prazo a perder de vista para vermos renovado o credito amoroso que julgávamos ter.

Mas, os dias foram caindo da folhinha como folhas outonais e, quando a ultima caiu e, pelada, a árvore não tinha mais sombra ou frutos para ofertar, tentamos mais credito no banco afetivo para adubar a árvore seca e, para nossa surpresa, tivemos o investimento negado. Pasmos, ficamos sem ação, vasculhamos por economias porém, mais cigarras que formigas, estávamos com os bolsos só nos forros e a chuva se armando sob nossas cabeças.

Esgotados os meios, passamos aos fins e como cada um de nós tinha sua parcela de culpa no malfadado empreendimento só que, ao invés de assumirmos nossas parcelas de infelicidade e péssima administração, preferimos por os dedos em riste um nas fuças do outro negando culpa conjunta, pondo a conta apenas na nota de um só. Tentando salvar algo dessa quebra geral, saqueamos tudo, não deixamos nada ao amor que, na verdade, ainda tinha seu peso em ouro e podia ser usado como moeda de troca para reconstruirmos.

Finalmente, sem ter mais o que raspar do fundo do cofre, raspamos nós mesmos na carne até sangrar e quando vimos a cor dos ossos e os dentes agressivos se abrindo sobre eles, julgamos melhor assumir a falência, cerrar as portas e buscar novos sócios, outros empreendimentos. Nesse litígio, não havia muito que repartir, havia sobrado apenas culpas, remorsos e acusações suspensas no ar, frases presas no vácuo, sentimentos soltos no tempo e um vazio imenso que de tão grande não era mais vazio, tinha consistência e podia ser tocado.

Fomos, simples assim. E os dias voltaram a contar no calendário, lentamente, um a um e nossas vidas foram se remendando da melhor forma possível e nossos bolsos foram se enchendo aos poucos, com trocados de inicio e, algumas vezes, com notas e até quantias vultosas mas que paravam em nossos bolsos assim como o ar para nos pulmões.

E então, dado o tempo certo, nossos nomes já não estavam mais sujos, caducaram nossos débitos, podíamos amar de novo, as consultas aos órgãos de proteção ao credito afetivo davam como negativas e, numa dessas, nos redescobrimos com capital suficiente para amadurecer a ideia e ideal de termos nosso negocio próprio de forma definitiva, desprovidos e demovidos dos sonhos acelerados do inicio, das ilusões de destino e cientes de nossos medos e capacidades de entender um no outro o alimento do desejo comum, cheios agora de sonhos maduros, tangíveis em seu sonhar duo, retos e certeiros em nosso caminho de pouquíssimas curvas salvo as de nossos corpos não desconhecidos a nós e assim, sem grandes surpresas cartografadas mas emprestando às línguas um gosto conhecido mas retemperado com novo animo e sede de amar, viver e sermos.

Negocio fechado! No dia em que assinaríamos nosso contrato, selaríamos nosso compromisso de sermos o banco central um do outro, fiquei com a caneta na mão, esperando ver no outro lado da linha tracejada seu nome correr para o meu. Roubado por um destino traíra, saqueado por uma tragédia que de grega não tinha sequer o nome, assaltado por outros que levaram o cobre e, de quebra, você para não mais. Dos olhos, correram lagrimas lépidas, escoram face abaixo, deram voltas no pescoço, empoçaram na espádua, caíram para o braço e em torvelinhos correram sua extensão, lamberam-me os dedos e abraçaram a caneta até que, em pequeninas gotas, caíram sobre o espaço em branco onde deveria estar seu nome.

Foi então que chegaram esses elefantes, todos de uma vez, talvez já estivessem lá, disfarçados de mobília e não os tivesse notado, não sei. Começaram a abanar suas trombas para mim e me dizer coisas que só os elefantes dizem. Delicados, porém, transitavam pelo apartamento sem quebrar nada exceto meu coração e corpo e então, olhando pela janela, aguardei esses restos de sol para poder municiar-me e lhes por fim. Espera meio longa, às vezes faltava sol, às vezes os elefantes se escondiam tão bem que não era possível achá-los, às vezes eu me sentia o elefante.

Mas não hoje, era dia de acertar as contas e com a janela e a mim mesmo sob aquele circulo solar, fui executando um a um dos paquidermes, sem dó, seus protestos me eram surdos, tombaram todos e quando restou apenas um, este me olhava nos olhos, um olhar atemporal, a tromba inerte e a respiração mal um sopro. Nos olhamos por instantes sem contar, impassíveis, os últimos habitantes duelando naquela nesga de sol. E então, no fundo dos olhos mortos do bicho, vi o que precisava ver, senti, intui e, usando minha ultima bala de sol e já antevendo as nuvens que vinham a galope tapar minha artilharia, abracei o elefante e com ele me joguei nos raios do sol.

15 de jan. de 2020

Se fiquei esperando meu amor passar...

Ontem comentei neste post sobre HIV-AIDS que meu primeiro namorado muito provavelmente morreu em decorrência de complicações decorridas da doença. Sua família, compreensivelmente, preferiu ignorar tal fato e não cabia a mim contestar essa decisão muito menos confirmar que tivéramos um relacionamento já que estava subentendido e, se alguém deveria ter falado sobre isso, seria ele e não eu.

Enfim. O que desejo aqui é contar um pouco dessa história, será um texto meio longo ainda que me atentando apenas aos fatos principais nos quase cinco anos que passamos juntos, anos de altos e baixos, anos que foram ótimos, que marcaram a ambos e que ainda carrego comigo mesmo depois de tanto tempo, uma lembrança doce de um tempo que se foi e que, apesar dos pesares, continuam com um gosto doce de passado sutil que abriu portas para nós dois e nos fez talvez pessoas menos piores.

O conheci no mais improvável dos locais, Cine Art Palácio ali no Largo do Paissandu outrora cinema de família mas, como tantos outros da região, tornado cine pornô ante a total decadência da região. Nos tocamos e beijamos ali entre aquele odor de suor e sexo, desinfetante barato e travestis flanando atrás de clientes que escapavam para gozar alguns minutos naquele lugar onde sempre era noite.

Lembro que ao final de nos saciarmos um no outro ele me perguntou 'fica comigo?' e eu respondi, meio no descaso, 'quanto tempo?' e ele 'pra sempre'. Mal sabia que aquele pra sempre duraria cinco anos e que o pra sempre, sempre acaba. Saímos de lá e combinamos de nos encontrar na próxima semana ali mesmo no cinema, era um tempo antes da internet, celulares, redes sociais, apps e conhecer alguém estava restrito aos meios físicos e convencionais, humanos, reais, estar online era estar presencialmente na frente da pessoa.

No dia combinado cheguei e esperei, esperei, esperei e esperei. Bolo. Furo. Idiota. Imbecil. Fui embora e quando entrava no metrô, o universo, esse brincalhão sacana, disse a que veio pois dei de cara com ele que me explicou ter atrasado pois a condução estava péssima naquele dia. Fomos para o cinema e ficamos novamente, conversamos, rimos, ali era nosso lugar porque não havia lugar para nós, eram outros tempos e lugares para LGBTQ ainda que existentes eram esconderijos apenas conhecidos pelos iniciados.

Lembro de termos saído algumas vezes, coisas bestas como beber algo ou comer um lanche, éramos adolescentes, incautos, não sabíamos como lidar com aquele desejo que aflorava em nós, apenas sabíamos que um saciaria o desejo do outro. Gostos em comum, coisas em comum, e algo que era amor mas a gente não sabia chamar assim começava a abrir suas portas e convidar a entrar.

Descobrimos uma boite LGBTQ que ficava nos jardins e decidimos ir, não sei se nossos pais sabiam, provavelmente sim mas já éramos maiores de idade e talvez eles achassem parte da construção masculina sair para a noite sem saber que a noite era nossa capa e manto protetor para fazer nosso amor.

Chegamos cedo, a boite estava fechada e ficamos sentados numas escadas em frente ao clube esperando que abrisse. Quando abriu, onde estava a coragem de entrar no lugar? Ficamos ensaiando por vários minutos como chegar, como entrar, que falar, não era comum, não sabíamos como ser gays, não entramos, medrosos fomos embora e vagamos pela Paulista parando nas bancas de jornal vendo revistas importadas e conversando e rindo e nos amando pelos olhos e roubando algum beijo aqui e ali, não haviam lâmpadas criminosas, se haviam estavam longe de nós.

Acabamos indo em outra boite, desvirginados ao mesmo tempo e daí começamos nossa incursão no meio gay, aprendemos a ser LGBTQ na marra, não havia referência nem modelos, não tinha Youtuber nem Influenciador, não tinha blog nem Instagram, tudo que aprendemos foi na carne, no osso, na prática, empíricos de nós mesmos e da vida que se descortinava.

Amar assim tão jovem é foda, você acha que o mundo vai acabar, que tudo vai romper como um raio que parte um tronco ao meio, a vontade de comer o mundo e regurgitar outro é enorme e nossa fome era tanta que acabamos nos fartando de forma errada de nós mesmos.

Não sabíamos amar de verdade, o que pensávamos ser amor era algo diferente para mim e para ele, normal que cometêssemos erros, éramos jovens e ser jovem foi feito para errar e pensar em arrumar depois, guardar como botão de emergência para ocasiões futuras.

Saíamos muito, bebemos muito, fomos a clubes, shows, raves, varamos noites em lugares onde as pessoas não faziam questão de saber quem éramos. O tempo passava e as diferenças entre nós iam aumentando e nós, ao invés de saber que elas são parte do jogo e que devem ser aceitas como parte do todo, usávamos a elas como cavalos de batalha para justificar os erros que cada um cometia, feito agressão planejada, descaso, desprezo, mau amor que você não sabia como tornar bom amor.

Passamos a ter uma relação daquelas nada saudáveis, idas e vindas, períodos sem nos falar e um tal de correr um atrás de outro feito um revezamento bizarro que nunca chegava ao final. Chegamos a nos interessar por outras pessoas mas, quando um de nós sabia disso, fazia uma aparição surpresa na vida do outro para descompensar tudo e fazer voltar aquele amor que achávamos ter tecendo juras de vai ser diferente apenas para desmanchar tais promessas na semana seguinte.

Foi tanto o que vivemos que seria preciso mais de um volume para dar conta, lembro de quase tudo, outras coisas são tênues que às vezes penso ter apenas imaginado, cinquenta anos em cinco, nossas vidas estavam tão emaranhadas que era meio difícil saber onde uma começava e a outra acabava, amiga nossa dizia que nossa ligação era de outro plano e que nossas histórias ainda viveriam outras vidas além desta.

Mas, como diriam alguns poetas e trovadores, tudo tem começo e se começa um dia acaba e assim foi conosco. Depois de anos de uso contínuo, o desgaste atingiu seu limite, não havia mais para onde espalhar a geleia de ressentimento que nos cobria, não era mais uma relação mas uma simbiose nociva e um de nós precisava encarar o fardo de purgar essa patologia e buscar ares mais saudáveis e, (in)felizmente, fui eu a tomar essa decisão e promover esse afastamento antes que nossas vidas se deteriorassem além de qualquer possibilidade de reabilitação.

O corte doeu, não houve curativo grande o suficiente para cobrir o corte mas, com o tempo, ele foi cicatrizando e curando e acabei encontrando o homem que realmente era o amor da minha vida e com quem estou casado há dezoito anos e que desejo passar até o ocaso de meus dias, com ele aprendi o que era amor de verdade não querendo dizer que o primeiro não me tenha ensinado nada, tempos distintos, momentos diferentes, pessoas idem.

O tempo passou com sempre passa, vamos esquecendo as coisas e as pessoas que não mais fazem parte de nossos dias, as guardamos em algum lugar secreto dentro de nós para aqueles momentos em que um aroma, uma música, um filme, um livro ou qualquer outra coisa fará com que lembremos dela de forma cálida deixando nosso semblante com aquele are de nostalgia singela que apenas quem viveu o suficiente sabe.

Chegou uma data festiva, aniversário de alguém da família dele penso eu ou algo assim, não me recordo bem. Já estávamos afastados há anos então mas eu seguia muito próximo de sua família que havia me aceito como se fosse deles. Fui. Foi bom, conversamos, rimos, o tempo passou rápido e fui embora leve com um sentimento de graça e felicidade por ainda poder desfrutar da amizade daquelas pessoas mesmo não sendo mais algo de relevante para uma delas.

Dias depois, a irmã dele me liga e diz que ele, que não havia visto no dia da festa e tão pouco perguntado porque não estava lá, ciente de que eu iria, havia se trocado e esperado minha visita como se fosse certo que eu fosse ao menos passar para vê-lo - ele morava na parte debaixo de um sobrado onde a irmã morava, ela residia na parte de cima e ele e outro irmão na parte debaixo que ficava abaixo do nível da rua.

Aquilo reabriu feridas antigas e partiu meu coração já cicatrizado. Não havia ido com o intuito de vê-lo, já havia superado aquela história e não tínhamos mais nada a dizer um ao outro. O mal estar apenas piorou quando ele me disse que ele andava bem doente, tivera depressão e estava com algum tipo de infecção respiratória, aquilo me arrebatou e me fez chorar, dentro de mim revi aquele moço que me cativara, que quase perdi por que a condução atrasara e o amor que sentia por ele voltou não feito paixão mas como um presente que guardamos para abrir nos momentos em que precisamos nos recordar de algo bom.

Disse a ela que no fim de semana seguinte eu iria vê-lo, que ela por favor o avisasse. Contei ao meu marido - namorado então - o que se passara e que sentia que deveria ir vê-lo e ele disse que iria comigo.

No dia marcado, de coração na mão e garganta árida fui lá, cheguei e sua irmã me recebeu dizendo que ele me esperava. Desci as escadas em direção a sua casa com o coração engalfinhado com uma sensação de aperto e desespero, se por um lado eu queria realmente revê-lo, por outro eu queria enterrar tudo aquilo e não queria voltar a viver nada do que tínhamos vivido, era tudo passado mas por esse mesmo passado eu senti que devia estar ali para pacificar tudo aquilo que havíamos vivido.

O encontro foi breve mas bom, ele estava abatido realmente mas bem até onde pude ver. Nos falamos sem tocar em assuntos do passado, apresentei meu amor e talvez tenha sido o ponto final daquela história toda entre nós, ele intuiu que eu estava bem e amando e eu estava ali para lhe dizer que eu sempre o amaria pois minha vida iniciou com a dele e isso não era pouca coisa.

Ele nos contou que estava fazendo alguns trabalhos manuais e que precisava de materiais, me prontifiquei a levá-lo para comprar na semana seguinte com anuência do meu marido. Combinamos e em seguida me despedi prometendo voltar como combinado. Lembro de ter saído de lá leve, com um sentimento de dever cumprido e apaziguado e acho que ele também deve ter ficado assim, talvez pudéssemos erguer algum tipo de amizade dos escombros que sobraram de nosso amor.

Na semana seguinte quando deveria ir buscá-lo, um dia antes sendo preciso, recebo um telefonema. Do outro lado da linha um primo dele me diz que ele tivera um mal estar súbito e fora levado ao hospital e que infelizmente não resistira e morrera. Sua irmã me disse que ao ser levado de casa pelo resgate repetia seguidas vezes 'Avisem o Alexandre!'.

Talvez soubesse que não retornaria, talvez apenas desejasse me ver mais uma vez antes de partir, talvez fosse apenas desespero, não sei. O que sei é que nos vimos uma última vez antes dele ir e que foi o suficiente para que nos perdoássemos e demonstrássemos que havíamos nos amado e que de alguma forma ainda nos amávamos.

Há quem acredite em coincidências, destino e coisa e tal, eu não sei dizer. Às vezes penso que ele aguardava apenas esse ultimo encontro para poder ter seu descanso de alma tranquila e deixar a mim de consciência apaziguada, uma amiga minha acredita que nossas vidas estão entrelaçadas e que ainda nos veremos em outros planos e vidas, não sei também, quem sabe afinal?

O que acho saber é o fato de que vivemos intensamente um momento único e mágico e por mais dolorosas que algumas lembranças possam ser, o que resta mesmo são as coisas doces e o amor que tivemos um pelo outro, pode não ter sido ideal, pode não ter sido correto ou o amor que esperávamos mas foi o melhor amor que conseguimos nos dar quando a vida parecia não ter nenhum amor reservado para  nós.

14 de jan. de 2020

Precismos (ainda) falar sobre HIV e AIDS

Quem é da minha geração ou antes disso sabe o que foi a epidemia de AIDS que assolou o mundo e ceifou sem piedade ou distinção centenas de milhares de pessoas (os números podem passar dos milhões já que muitos casos não foram informados e/ou identificados como decorrentes da doença).

Não tive conhecidos ou amigos que, até onde saiba, morreram em decorrência de HIV-AIDS mas tenho quase certeza de que meu primeiro namorado - uma história longa e um tanto triste que depois conto - morreu devido a complicações devidas a imunodeficiência tendo preferido sua família, compreensivelmente no lugar deles, atribuir sua morte a outras causas.

Para nós que crescemos sob o espectro dessa doença, a vida adquiriu um tom nefasto de fim de festa, muitos voltaram para seus armários com medo fosse da epidemia que se espalhava sem controle ou de serem, ao exibir sintomas indicativos da mesma, identificados como gays.

O estigma AIDS-HIV denominado de forma pejorativa, horrenda e espetaculosa pela mídia como CÂNCER GAY ou PESTE GAY, fez com toda uma geração que estava prestes a desbundar e adiantar em décadas a luta pelos direitos LGBTQ puxasse o freio de mão pois a homofobia tinha um novo e poderoso aliado e pior ainda foi ver dentro da comunidade LGBTQ atos pérfidos de preconceito e exclusão já que os doentes eram enjeitados que apenas poucos voluntários despidos de qualquer preconceito e cientes de que aquelas pessoas precisavam de ajuda aceitavam tratar, acolher, apoiar e amparar.

O lado positivo, se há um, foi que a epidemia acabou por tornar coesa a luta pelos direitos LGBTQ - não em seu todo já que alguns setores sentiam-se preteridos ou mesmo estigmatizados pela atenção e problemas trazidos pela doença, como se não fosse de sua alçada o fato de que a comunidade toda era afetada por ela - partindo da demanda por tratamento digno, pesquisa, quebras de patentes de remédios e tudo o que hoje temos como garantia e certo.

Isso não quer dizer que em 2020 não há mais preconceito com pessoas portadoras de HIV-AIDS, ainda que atualmente a doença seja até mesmo considerada como crônica e pouco letal, o estigma que os soropositivos carregam ainda é imenso e muitos preferem esconder sua sorologia temerosos de que ao torná-la pública perderão amigos, emprego, status, contato humano, família e por aí vai.

O que é mais preocupante é a quantidade de novos casos de contaminação na faixa etária dos mais jovens, a cada ano essa faixa faz só aumentar. São pessoas que estão iniciando a vida sexual - e cada vez mais cedo e sem qualquer informação que não seja obtida pela internet, Youtube ou algum influenciador - e que não conviveram com o fantasma da morte que diariamente vinha reclamar para si a vida de alguém querido ou próximo.

Para eles, a AIDS-HIV é como algum tipo de diabetes, você tem remédios que controlam a doença e, ademais, há uma série de tratamentos disponíveis para pré ou pós exposição a um comportamento de risco. É do jovem sentir-se invulnerável e capaz de subjugar o mundo mas a AIDS-HIV não sabem disso e infectam qualquer um lhes dê mole, com essa perda do medo e desmistificação de doença fatal e incurável exatamente essa parcela passou a desconsiderar os métodos de proteção e exposição a comportamentos de risco.

Isso faz com que os casos de infecção disparem a cada ano e, com o atual governo fascista desmontando as estruturas de apoio e prevenção já que a eles e seus seguidores gay bom é gay morto e a AIDS-HIV ainda é uma doença de bixas, a tendência é de piorar cada vez mais o que, na mente tosca dos conservadores funciona pois vai dar cabo de uma parcela da população que eles querem morta mesmo mas, esquecem que a AIDS-HIV não trabalha com qualquer tipo de barreira social, moral, sexual, econômica ou de fronteira e que o custo final para tratar e acolher as pessoas doentes sairá de bolso de todos nós.

Além disso, os casos de DSTs que eram consideradas praticamente erradicadas aumentam a cada ano já que não há conscientização da sociedade em promover campanhas de informação e prevenção e, como disse acima, as pessoas não tem mais medo de doenças sexualmente transmissíveis o que, para as doenças, é ótimo pois elas podem alastrar-se sem freio e, através de mutações genéticas, tornar-se mais resistentes aos tratamentos convencionais vide a sífilis que voltou pior do que nunca mas quase ninguém fala disso.

Enquanto não encararmos DSTs, HIV e AIDS como casos graves de saúde pública e cobrarmos das autoridade medidas concretas e efetivas para controlar o ritmo desenfreado de infecções, estaremos todos com a bunda na janela disponível para passar a mão. Precisamos seguir falando sobre HIV e AIDS e principalmente para as gerações mais novas que conhecem um mundo 'sem AIDS', mostrar e explicar que essa doença não tem cura e que ela carrega um estigma terrível e que o melhor caminho ainda é a proteção.

Ao normalizar a AIDS como uma doença crônica e tratável - ainda que o seja - estamos fazendo pouco de um patologia que segue impávida infectando milhões de pessoas por ano, estigmatizando uma parcela da sociedade que precisa de apoio e tratamento e passando a mensagem de que tudo ber ter AIDS, é OK, é comum, todo mundo tem e quem não tem basta tomar aí um PreP ou algo assim, ninguém morre de AIDS.

Essas ilusões são a pior doença e contra elas não há tratamento melhor do que a informação.

13 de jan. de 2020

Mono não é Estéreo

Em outros textos, refleti sobre novas formas de relacionamento e amor e, após ler esta entrevista de Manuel Lucas Matheu, estudioso do sexo e relacionamentos humanos, só passei a ter mais certeza do tipo de relacionamentos que desejo ter em vida (os pós vida não sei porque ainda não temos testemunhos que comprovem como são as coisas do lado de lá).

Fique claro que estas são as MINHAS opiniões e que relacionamentos são complexos e cabe a cada um de vocês encontrar o que funcione para si e para seu companheiro, companheira, companheires. Eu mesmo passei por um processo de desconstrução e ainda me encontro nele pois relacionamentos e o afeto humano não são coisas estáticas mas mutáveis.

Explico essa última frase.

A estagnação, a famigerada zona de conforto e a acomodação são 'patologias' que matam o humano e tudo que o cerca incluso os relacionamentos. Se você busca um relacionamento para ter segurança então sugiro que repense seus conceitos sobre relações humanas pois um relacionamento não é porto seguro de nada, o oposto disso.

Somos criaturas inquietas e termos adotado uma conduta sedentária desde que passamos a dominar as fontes de alimento e tecituras sociais não nos fez menos nômades, apenas trocamos o vagar físico pelo vagar emocional, em termos de sexo e amor seguimos tão nômades quanto nossos ancestrais sendo a diferença as amarras e convenções sociais que ainda tentam conter nosso desejo a uma esfera de socialmente aceito.

Somos tão diferentes da pessoa que fomos ontem quanto da pessoa que seremos amanhã ou da que seremos daqui a cinco minutos, ser humano é ser mutante e evoluir e, assim sendo, um relacionamento precisa evoluir igualmente ou estará fadado ao erro e a causar angústia e frustração a quem estiver nele envolvido.

Achar que seremos felizes para sempre é uma crença horrenda que nos faz buscar cada vez mais por uma felicidade utópica romantizada e vendida como ideal de vida sendo que jamais a conseguiremos e passaremos a preencher o vazio que surge dessa busca inútil com coisas como bens materiais, drogas lícitas ou não e toda e qualquer coisa que ajude a encarar o fato de que tal modelo inexiste fora das percepções e capacidades individuais.

A monogamia é uma construção social que tem suas fundações em noções de moral e tradição elaboradas única e exclusivamente para manter a todos nós em rédeas curtas e, fim principal, a distribuição de riqueza e poder limitada às classes dominantes perpetuando seu domínio e status quo.

É humanamente impossível que sejamos suficientes, no conceito de monogamia, para suprir as necessidades, anseios, desejos, amor, expectativas e porque não fetiches e taras uns dos outros. Na construção monogâmica jogamos esse peso todo nas costas do outro demandando dessa pessoa que seja capaz de suprir tudo isso quando ela mesma faz igual conosco, nesse jogo não há ganhadores pois essa expectativa de locupletação é impossível e, ao final, teremos pessoas infelizes e tão frustradas que acabarão por odiarem-se de forma visceral pelo simples fato de não terem correspondido às expectativas que deveriam ser da responsabilidade individual e não atribuídas aos outros.

Acredito mesmo que durante nosso tempo de vida amaremos mais de uma pessoa seja em tempos diferentes ou ao mesmo tempo e que essas pessoas atenderão a diferentes necessidades nossas de formas diferentes perfazendo o conjunto da obra algo tão próximo quanto possível do que sonhamos ser a felicidade que desejamos.

Algumas pessoas podem ser apenas um dia, horas ou minutos, outras meses, anos, décadas mas cabe a nós e a elas entender o que podemos fazer uns pelos outros para tornar a vida menos miserável e mais agradável e ter a noção de que o amor romântico perpetuado pela arte, mídia e convenções sociais é uma posse terrível que remete aos piores modelos escravocratas.

Denominar-se dono e senhor da felicidade e prazer alheios é um ato sórdido de dominação colonial e reflexo de milênios de regras religiosas e morais caducas que se recusam a evoluir mesmo ante mudanças radicais no tecido dos relacionamentos humanos e, a onda conservadora que vivemos é um ato desesperado para conter essa mudança que, sinto dizer aos moralistas de plantão, não arrefecerá.

O amor e o desejo não podem ter donos, não é saudável que nos consideremos amos e senhores dos corpos e almas e corações uns dos outros quando apenas nós mesmos temos tal autoridade. Essa noção de que somos apenas um para o outro é um sonho distorcido pois o olhar e o sentimento não conhecem barreiras ou regras, vão onde querem e desejam quem quiser e quando isso bate de frente com a imposição monogâmica de unidade geramos o conceito de traição e condenamos o traidor como se houvesse cometido um crime hediondo quando houve apenas sexo, desejo ou amor e qual desses itens pode ser considerado de posse de algum de nós?

Pode parecer que atesto a desfeitura de todos os tecidos sociais e modelos de relacionamento mas não, relacionamentos saudáveis são baseados em respeito, diálogo e companheirismo, o amor romântico surge no começo mas, com o passar do tempo, ele se transmuta em algo maior que transcende as barreiras convencionais e torna-se algo que nos acalenta e alimenta enquanto seguimos pela vida buscando o que nos faz felizes.

Talvez soe paradoxal mas o amor que aprendi a acreditar não é um amor de posse mas um livre que lhe permite ser feliz com a pessoa ou pessoas que você ama seja em qual momento for e creio mesmo que nós LGBTQs temos por obrigação reinventar os relacionamentos ditos padrão já que não refletem as necessidades ou anseios nossos mas são uma herança modorrenta de uma sociedade machista, patriarcal, normativa e zelosa da tradição, família e propriedade.

A monogamia foi a invenção mais perniciosa que a sociedade humana inventou e acredito que estamos começando a aprender como nos curarmos dela mesmo tendo ao nosso redor críticos e ofensores e até mesmo parte da comunidade científica que, algumas vezes, alega que a monogamia é a única via de contenção de DSTs e outras mazelas do corpo e da mente (parcela da ciência que anda de mãos dadas com os crentes e conservadores de plantão).

Se até o som é estéreo, porque nós deveríamos ser mono?

10 de jan. de 2020

Quem cala consente

Antes de falar a que vim, convém fazer uma rápida explanação do que é fé e do que é religião pois são sim coisas muito distintas mas que frequentemente misturam por aí como se uma fosse parte da outra.

Fé. Não é algo concreto, é mais um sentimento ou (pre)disposição em crer em algo que supera a condição humana sem que esteja formal ou teologicamente relacionado a uma crença ou conjunto de valores específicos.

Ter fé não significa necessariamente crer em algum tipo de divindade ainda que, por conseguinte, quem segue alguma religião irá direcionar sua fé a essa ou aquela divindade ou divindades. Ter fé seria mais crer que o universo tem seus desígnios e que tudo transcorrerá como deve ser e que por mais dura que possa parecer a realidade, as leis universais físicas ou metafísicas darão cabo de tudo e de todos como for preciso.

Fé é algo imaterial e não é preciso crer em algo para ter, basta ter e pronto.

Já religião é um conjunto de crenças, regras, doutrinas, normas ou até mesmo leis que definem como a fé em determinada(s) divindade(s) deve seguir ou seja, sua fé está restrita aos ditames e costumes daquela religião em si e invariavelmente fechados a outras concepções ou noções externas tornando a fé uma coisa hermética e que se alimenta apenas desses preceitos ditados pela divindade não em si mas através de seus 'profetas' ou 'pregadores'.

Lembro que estas são visões minhas, sinta-se livre para concordar ou não.

Quando temos uma religião ou grupo de religiosos que entende seu dever, direito ou função ditar como devemos nos comportar, o que podemos ou não ouvir, ver, ler, assistir e fazer, estamos adentrando um terreno perigoso em que a religião - não a fé - passa a agir como Estado impondo suas regras a todos que não a seguem independente de quem seja.

Quem discorda é considerado inimigo daquela 'fé', é perseguido e execrado e atacado por todos os lados até se converter ou ser expulso da sociedade no melhor estilo medieval ou até pior. A religião é uma falha grotesca da humanidade que precisa ainda de algo que lhe dê algum lenitivo para questões que talvez jamais consiga responder e, se agisse apenas como amparo da alma reconfortando a quem entende precisar desse tipo de apoio, não teríamos problemas pois a religião, quando age desta forma, atua como um tipo almofada emocional.

Como disse acima, temos problemas quando a religião passa a querer ditar como devemos ser e nos comportar de forma generalizada e a religião não pode fazer isso pois não lhe cabe este papel, isso cabe a cada um de nós e ao Estado que deve zelar pelo tecido social da melhor forma possível.

A religião é feita por homens, o que sabemos de cada uma delas foi herdado de uma série de crenças e escrituras que não se sabe quem escreveu ou como foram escritas, em qual contexto ou com qual intuito e pior, tudo feito por seres humanos, as criaturas mais falhas que já pisaram na face do planeta. Como dar crédito a algo que uma pessoa, julgando-se iluminada e eleita, prega como verdade universal e inconteste? Não cabe questionar? Devemos aceitar piamente? Muitas religiões não aceitam qualquer tipo de questionamento e se o fizermos, seremos encarados como descrentes ou pagãos.

Eu só passarei a crer em alguma religião quando a divindade ou divindades que em tese a sustentam materializarem-se na minha frente corroborando cada detalhe do que está escrito, converto-me na hora sem titubear!

Mas, você pode dizer, você também vive sob um conjunto de regras que não sabe ao certo quem fez e ainda assim as segue. Justo. Porém, esse conjunto de regras não foi ditado por uma chama, arbusto, voz misteriosa e potente ou visão, são regras que resultaram de séculos e milênios de evolução social e que são feitas por pessoas eleitas por nós para mantê-las e alterá-las quando necessário, podem e devem ser questionadas e inquiridas, devem evoluir e acompanhar a sociedade que é sempre mutante, não são mandamentos cuspidos de uma montanha ou ditados por nuvens no céu.

Agora chegando ao título do post, quando temos uma religião ou grupo religioso censurando qualquer tipo de manifestação artística ou de opinião porque estas ofendem sua fé, estamos, se nos calarmos, abrindo um precedente horrível para que amanhã outras opiniões ou expressões sejam censuradas igualmente até chegarmos ao patamar de nos sentirmos coibidos de fazê-lo.

É um caminho sem volta e que parece impossível mas é real e está acontecendo ante nossos olhos e estamos todos fazendo de conta que esta tudo bem. Não está. Quando dermos por nós já será tarde demais para fazer qualquer coisa, estaremos amarrados em nome das divindades e sendo forçados a orar rosários e novenas porque a alternativa a isso será a excomunhão social ou, pior cenário, queimar em praça pública.

Acha exagero?

Lembre que já fizemos isso e muito pior em nome da religião e a história tem o péssimo hábito de repetir-se quando lhe damos as costas...

9 de jan. de 2020

Os armários do messias

É no mínimo curioso o ódio que o messias e aqueles que o seguem nutrem para com a comunidade LGBTQ, com se não bastasse toda a gama de problemas e dificuldades que vida já se incumbe de jogar em nosso colo.

Raro o dia em que o messias não fala alguma merda vide este e este caso emblemáticos.

Pessoalmente, antes de considerar tal comportamento como homofóbico, prefiro considerá-lo como manobra política que ecoa diretamente no eleitorado do messias que, paulatinamente, começa a se desfazer ante o total desgoverno e incapacidade sua e de seu séquito em tocar a coisa pública e fazer o pais andar ao invés de ser alvo de escárnio mundial.

Ao atacar os LGBTQ, o messias repete seu discurso de campanha usando a bandeira da moral, costumes e família para alavancar alguma popularidade e apontar possíveis culpados pela situação precária de seu governo, como se as bixas tivessem alguma responsabilidade por ele ser o imbecil que é.

Na outra mão, é inegável a homofobia que suas declarações carregam além do discurso de ódio que promove e incita na população pois, se o governante é capaz de soltar os piores impropérios e desmerecer parcela da sociedade para a qual ele deveria governar com mais atenção e carinho, que dirá o cidadão comum que vai sentir-se no mais absoluto direito de reproduzir o discurso que vem de cima?

Há algo de muito errado nessa fobia e ódio todo e não me parece ter sua causa apenas em preconceito puro e simples o que em si já é altamente condenável. Muito menos em um discurso conservador e fascista de que as minorias devem curvar-se ante a vontade da maioria igualmente execrável e que reflete sim boa parcela da sociedade nacional, infelizmente.

Quando o messias se refere aos gays ele baba, saliva, sua macheza se põe em riste e a testosterona bombeia o sangue. O macho patriarca não pode aceitar a homossexualidade como via de amor porque ela abre um precedente para que o amor e o sexo não sejam mais exclusividades suas e pessoas livres para gozar e amar são muito perigosas porque tem consciência e posse de seus corpos e mentes.

Quando vejo o messias e seus acólitos bradarem palavras de ordem contra os LGBTQ, contra a ideologia de gênero e outras coisas mais que devem sim estar no centro de debates de qualquer sociedade que se entenda como tal, penso na carga de homossexualidade reprimida que eles carregam em si.

Talvez algum amor não concretizado na juventude, uma paixão momentânea por algum colega de escola ou quartel - ambiente onde a homossexualidade reina absoluta mas velada - algum trauma gay que marcou profundamente a vida dessas pessoas para que passassem a considerar os gays como demônios vindos do círculo mais profundo dos infernos.

Não os digo gays enrustidos porque a sexualidade de cada um é tema complexo e delicado mas só consigo conceber tamanho ódio e nojo com base em alguma experiência fatídica e não apenas em teorias ou filosofias adquiridas. Quando não aceitamos o desejo manifestado ele incuba feito um xenomorfo e vai corroendo tudo por dentro até germinar em ódio daquilo que não conseguimos viver, entender ou experimentar por medo ou covardia.

O que se condena é o objeto do desejo não consumado, o amor que não foi feito e o afeto que não foi dado ou retribuído e talvez nem tenha sido culpa deles mas do tecido social que lhes tolheu esse direito e possibilidade. Penso mesmo que os homofóbicos mais radicais e raivosos são os que guardam dentro de si um desejo gay reprimido de tal forma que se torna um buraco negro sugando todo e qualquer amor, afeto ou empatia que gravite a sua volta.

No desespero de não ver seu desejo feito e seu tesão alimentado, essas pessoas desejam ver perecer todo o amor que os outros tem coragem de aceitar e abrir ao mundo sem medo de ser como são e isso dói feito uma ferida aberta no peito deles, nada pior do que o rancor humano, a inveja, a raiva de quem não soube escolher ou não lhe foi dito que havia escolha, de quem renegou o amor e o sexo como coisas sujas e grosseiras por serem fora da curva normativa.

São essas pessoas que hoje governam o país e nós, infelizmente, estamos sendo tragado para dentro de seus armários.

8 de jan. de 2020

E o ódio ainda cega...

Escrevi aqui sobre aquele incidente da Karol Eller o qual acabou por se mostrar bem diferente dos fatos reportados pela 'Youtuber'.

Claro, é revoltante uma figura que pertence ao universo LGBTQ - e não adianta renegar, ela é sim parte do L do LGBTQ, desejar que ela não seja ou que seja expulsa da comunidade é um ato homofóbico sim - usar a homofobia que a duras penas foi criminalizada como saída para tal situação mas, como só podemos nos fiar no que diz a mídia e a polícia, prefiro ainda lhe conceder o benefício da dúvida.

Mesmo que tenha sido ela a iniciar o enrosco todo e que, em assim sendo, tenha automaticamente perdido a razão, não posso deixar de pensar que em algum momento o cociente homofobia veio somar no calor da discussão o que merece nosso mais forte repúdio.

No pior cenário, temos uma mulher lésbica, aparentemente conservadora, apoiadora do messias e crítica do movimento LGBTQ e sua militância, crente do conceito de vitimismo e mimimi e que, ao se defrontar com uma situação adversa e potencialmente danosa e perigosa a si, resolveu alegar homofobia como se houvesse criado repentinamente uma consciência LGBTQ apenas por que lhe era, então, conveniente.

Isso no pior cenário porque mesmo sendo ela tudo isso que mencionei, não teria então direito de alegar ter sido vítima de homofobia? Ou a criminalização serve apenas para ativistas e gays de esquerda? Se é assim então há algo de muito errado conosco porque não podemos exigir que tal direito seja aplicado apenas para os gays deste lado de cá, alijar os gays de direita desses direitos é agir como os héteros e praticar a homofobia também.

O que devemos fazer é tentar entender porque pessoas LGBTQ não conseguem se encaixar ou encontrar uma voz na comunidade e trazer essas pessoas para nosso lado criando vozes que dialoguem com elas, não afastá-las e execrá-las.

Se existem gays de direita e conservadores o problema não é que eles estão aí mas que nós, enquanto comunidade e voz de uma parcela da sociedade, falhamos em abrir os olhos dessas pessoas que acabaram, consciente ou inconscientemente abraçando o 'inimigo' pois ele soube dialogar e dizer o que elas queriam ouvir.

Acho compreensível que existam gays de direita e que repudiem a militância e tudo mais, não adianta fazermos cara feia e achar que eles não existem ou tem graves problemas mentais, ao considerarmos essas pessoas como traidoras ou não dignas da luta LGBTQ as estamos empurrando cada vez mais para os braços do outro lado e enfraquecendo o nosso que posa de intolerante municiando a sociedade hétero com argumentos que não conseguimos refutar.

Eu espero que Karol tenha entendido onde errou e que todo esse caso tenha ajudado a abrir seus olhos mas, se ela ainda seguir convicta de suas posições não cabe a nós fechar as portas a ela mas sim mostrar que estaremos sempre com elas abertas para aceitá-la.

7 de jan. de 2020

O menino que falava em letras

O menino nasceu mudo, não por alguma falha congênita ou capricho de alguma entidade divina, apenas porque nasceu sem voz e o choro primevo que anunciou sua chegada ao mundo não consistia linguagem antes pavor pela expulsão compulsória do útero protetor.

Os meses após foram de expectativa, pais são criaturas ansiosas e antecipavam as sílabas como se fossem algum tipo de sorte grande, o menino balbuciava algumas coisas, dialeto que apenas as crianças ainda intocadas pelo vírus da linguagem humana entendem, mas papai ou mamãe não vinham, pareciam perdidos em algum lugar dentro daquela compacta massa de gente.

Aflitos, levaram o menino ao pediatra, exames, testes, esperavam o pior, menino quebrado, com falha, de quem fora a culpa difícil dizer já que genes não carregam RG mas já se olhavam de rabo de olho forjando teses para apontar os dedos. O pediatra trouxe calma, apaziguou a família, o menino nada tinha de errado, eram os pais que precisavam de se tratar, a criança faria tudo no seu tempo certo, não eram máquinas, eles que tivessem lá paciência e deixassem o menino seguir seu ritmo.

Assim foi. Passava o tempo e o menino apenas balbuciava algumas sílabas que aos pais soavam estranhas, em línguas mas pareciam totalmente razoáveis ao menino. No intento de fomentar a fala e assumindo que esta poderia ser instigada pela escrita o que, convenhamos, seria algo como perguntar quem veio antes, o ovo ou a galinha, lhe deram um conjunto de cubos letrados perfazendo o alfabeto inteiro.

O menino então transmutou-se. Ante as letras coloridas gravadas nos cubos de madeira do nada passou a compor palavras, papai, mamãe, cachorro, vovó, vovô, muitas vezes com erros de grafia mas as crianças estão isentas das normas cultas, ainda bem, pena que adultas esquecem disso.

Os pais seguiam ansiando pela vocalização, a palavra falada tem peso, força, forma e foco, a palavra falada é desencanto mas encanta as criaturas vocais, o menino seguia apenas balbuciando coisas e já fazia praticamente toda sua comunicação via os cubos. Vendo que mesmo mudo o menino seguia crescendo com saúde e, até onde lhes era permitido entender pela ausência de som, com seu intelecto preservado e faminto, resolveram deixar a medicina de lado e, após bençãos e simpatias darem igualmente em nada, abraçaram que seu filho era assim e que o mundo não carecia de mais gente falando.

O tempo passa. O menino foi para a escola, ler e escrever para ele foi algo tão simples quanto andar e respirar, lidar com outras crianças nem tanto pois seu mutismo era frequentemente causa de choro e brigas. Crianças são assim, há um tipo de maldade único nelas e que às vezes parece mais vil do que a maldade humana que permeia o mundo adulto, talvez por não possuírem ainda um sentido de bem e de mal, por não terem ainda uma consciência totalmente resolvida ou talvez por serem apenas más sem qualquer medo disso.

O menino depois de aprender a escrever passou a comunicar-se com o mundo dessa forma, em seus momentos de solidão arriscou algumas palavras mas elas lhe pareciam ecos horrendos sem sentido, brutas, ásperas, incapazes de traduzir com a profundidade necessária o que sentia. A voz lhe soava algo abominável, pensava em como era possível que as pessoas se comunicassem falando, usando recurso tão grosseiro e alto quando a escrita podia dar conta de tudo e ainda deixar ao interlocutor alguma chance de entender como quisesse a mensagem dada.

Os pais, já conformados, viam o menino crescer e tomara vida pelas mãos sem dar palavra, sua escrita comunicava os momentos de amor, raiva, tristeza, ódio, decepção, alegria, tudo de forma tão reveladora e intensa que as palavras dispensavam qualquer oralidade, conseguia fazer-se entender de forma que poucos falantes conseguiam ou até mais.

O menino cresceu, fez-se homem e foi ganhar seu mundo. Deixou os pais falantes chorando mas resignados pois não se cria um filho para que ele seja apenas a palavra dos pais mas o verbo no mundo.

Certo de sua sina, foi escrever, falar não lhe apetecia, escrever era apenas necessário, por onde ia e com quem tratava usava apenas um pequeno bloco para comunicar-se, alguns o tomavam por doido, outros portador de algum tipo de deficiência mas todos, ao lerem o que ele escrevia, eram tomadas pela surpresa ante tamanha clareza de pensamento e capacidade de expressar na escrita seus sentimentos e o de outros.

E assim, o menino já homem foi ser escritor pois era a única saída para quem tem na palavra seu meio de vida e fala, falar é a involução da alma pois a alma está dentro em algum lugar inexplorado e que apenas a escrita tem acesso e sabe como entender e expressar. A fala é um anacronismo, um resquício de uma evolução errada, nada mais.

Quando lançou seu primeiro livro, o menino-homem estava feliz, exaltado em ter conseguido colocar seus sentimentos em um tomo e poder compartilhar com todos tudo aquilo que ele sempre sentira. Mandou um exemplar aos pais que responderam com uma carta emocionada, ele percebia a fraqueza da escrita deles mas o carinho que lhes nutria suplantava seu preciosismo com a escrita que, para ele, era algo mais importante do que o ar que lhe fazia vibrar as cordas vocais aposentadas.

Mas o mundo oral é pérfido, as palavras faladas são distorcidas e recebem camadas de sentimentos que não deveriam estar lá e, ao invés de ter sua mensagem entendida, o menino-homem foi chamado de insensível, cruel, mórbido, ridículo e outros adjetivos orais e escritos que ele não soube entender já que apenas havia escrito sentimentos em sua forma mais pura, seria possível que ninguém estava preparado para isso?

Entristecido e decepcionado, foi perdendo a vontade de escrever, encontrando a cada dia menos e menos desejo de contato com o papel, a escrita foi enferrujando e tornando-se algo incômodo, um cancro que era atacado pelo oral toda vez que ele aina tentava dizer algo e assim, aos poucos, a escrita foi morrendo dentro dele.

Até que um dia ela simplesmente sumiu e ele, incapaz de se comunicar, viu-se forçado a abrir a boca e buscar dentro de si o som que nunca usara ou ouvira, a palavra morta que não queria mais viver. Abriu a boca um dia e num arrepio que rachou concretos e trincou vidraças soltou um gutural AHHHHHHHHHHHH.

Dedicado ao aniversariante do dia meu amigo Roberto Muniz Dias.

lembranças aleatórias não relacionadas com a infância

Lembrança #10 Lembro de uma festa ou rave ou balada que eu ajudei um amigo a organizar num tipo de sítio eu acho. Estava separado do meu nam...